sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Tramitação do novo CPP no Senado foi "terrível" e "capenga"

O conselheiro de Direito Penal da OAB, Délio Lins e Silva, acompanha de perto o trâmite da reforma do CPP no Congresso. Para ele, o processo tramitou de forma "capenga" e "terrível" no Senado. O advogado garante que a entidade pretende se manifestar formalmente sobre o processo e alterações no CPP. "Infelizmente não existia o interesse dos senadores por esse assunto", lamentou.

"O (senador) Renato Casagrande (PSB-ES), relator da reforma, é um engenheiro florestal com formação em Meio Ambiente, não tem nada a ver com o Código de Processo Penal. Por outro lado, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Casa (Demóstenes Torres, do DEM) é um membro do Ministério Público. O Senado inteiro não fez nada, as sessões são vergonhosas. O que se espera é que na Câmara estudem melhor o CPP", afirmou Lins e Silva.

Confira entrevista de Délio Lins e Silva concedida ao Terra Magazine:


De maneira mais geral, qual foi a avaliação da OAB sobre a reforma?

Acreditamos que a reforma trouxe alguma melhora em vários pontos. Mas temos também algumas críticas. Sobre as melhoras, batemos palmas para o juiz natural, que tem sido muito questionado pela magistratura.

Este é o juiz que fiscalizará o trabalho do magistrado responsável direto pelo caso?

Exatamente. Vemos isso com bons olhos. Para além da busca pela imparcialidade e distanciamento, o juiz natural obriga a duplicar a quantidade de juízes. Então, numa comarca em que só tem um juiz terá que haver dois.

Popularmente falando, as "palmas" são para o aumento de vagas para juízes?

Exato. Isso obviamente estaria contribuindo com o Judiciário. Eu não consigo entender de forma alguma essa reação toda da magistratura em relação ao juiz natural. Para mim, é uma reclamação financeira, orçamentária.

O senhor acha que um juiz fiscalizando o trabalho de outro tiraria a legitimidade do julgamento proferido?

Não, porque o juiz que julgará não vai apenas proferir uma sentença, mas fará toda a instrução criminal na fase do Judiciário, isto se o Ministério Público fizer a denúncia. Se ele entender que a prova está insuficiente ou falha, nada impede que ele ouça mais pessoas como testemunhas do próprio juízo. Então, eu não acho que isso seja uma desculpa plausível. Para mim, na verdade, é uma questão de caixa, é problema financeiro. Para o juiz de segundo grau será muito melhor, ele poderá decidir tudo muito mais rapidamente, não terá que se preocupar em quebrar sigilo, porque já vai receber tudo detalhado, assim como funcionará com os fundamentos para a decisão de quebrar o sigilo telefônico.

O que o senhor achou da criação de medidas cautelares?

Isso foi, de fato, muito bom por ter dado um leque de opções ao juiz, que antes estava restrito a prender e soltar, prender e absolver... Agora, tem um leque maior de opções que não precisa, necessariamente, levar a pessoa para o cárcere, quando o ilícito não é tão grande.

O senhor disse que havia críticas da OAB a alguns pontos. O senhor poderia apresentá-las?

Criticamos muito esse exagero das interceptações telefônicas. Agora, tem até interceptações de forma indefinida. Além disto, não criaram um controle a respeito do tema. Do jeito que estava no substitutivo do (senador Renato) Casagrande (PSB-ES), você poderia prorrogar uma interceptação até por telefone. Isto porque, na medida em que pode ser verbal, não precisaria ser pessoal, poderia até mesmo ser via telefonema e com uma justificativa boba, idiota, que é o investigado estar criando dificuldades, comprando muitos chips, telefones diferentes. Só isso já seria uma justificativa para um apelo verbal. O que, para nós, demonstra uma banalização enorme da questão.

E sobre a prisão em flagrante, que gerou polêmicas a respeito?

Hoje, se você é preso em flagrante o comunicado ao juiz tem que ser feito em 24 horas. O (senador) Demóstenes Torres colocou que pode ser feito em até cinco dias. Ou seja, o sujeito pode ficar detido cinco dias e somente no quinto dia o juiz terá conhecimento daquela prisão. Isso é muito complicado, às vezes não tem nenhum juiz e avisam para outra comarca, por exemplo.

Como o senhor avalia processualmente a reforma?

Tramitou de forma capenga. Infelizmente não existia o interesse dos senadores por esse assunto. A aprovação foi um negócio terrível. O Casagrande, relator da reforma, é um engenheiro florestal com formação em Meio Ambiente, não tem nada a ver com o Código de Processo Penal. Por outro lado, o presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Casa é um membro do Ministério Público. O Senado inteiro não fez nada, as sessões são vergonhosas. O que se espera é que na Câmara se estude melhor.

Estude melhor o que, especificamente?

Por exemplo, propusemos a Casagrande - de maneira informal - que repensasse o indiciamento. Porque o Código é de 1941, período da Ditadura Vargas e quando foi criada essa história do indiciamento. Se você chega ao delegado e não delata, você indiciado. Se você não colabora, ele te indicia. Se você exerce o seu direito de permanecer em silêncio, ele te indicia. Não dedurou alguém, indicia. Isso aí era um instrumento de troca da polícia de Vargas.  Hoje, não tem mais o menor cabimento essa figura do indiciamento, na medida em que o MP é o dono da coisa, o dono de tudo.

Qual a proposta da OAB para a questão?

A gente sustentou que esse ato de indiciar, dado para a autoridade policial, deveria acabar. O delegado investiga quem ele quiser, faz o relatório e entrega ao MP. A partir daí, aparece a denúncia, ou não. Muitas vezes o delegado indicia, o MP não vê motivos para fazer uma denúncia e a pessoa já sai indiciada. Vou defender com bastante afinco o fim disto na Câmara dos Deputados.

Também caiu a distinção entre pessoas com ou sem diploma. As organizações criminosas nasceram nos presídios com a junção de presos políticos com criminosos comuns nas celas. Fala-se que essa não distinção "qualificaria" essas organizações criminosas que atuam dentro e fora das cadeias. Como o senhor vê essa questão?

Tem esta questão da qualificação com o auxílio de pessoas, como por exemplo, advogados. Nesse aspecto, é de fato ruim. Mas veja bem, hoje, depois do trânsito em julgado, você vai para a vala comum. Se eu for preso, nem para o presídio eu vou, tenho que ficar numa sala de Estado Maior, mas só enquanto minha prisão for provisória. Depois que minha condenação transitar em julgado, essa diferenciação não existirá mais. Então, essa qualificação criminosa dos presídios já pode estar acontecendo há muito tempo. Na prática é que essa "não distinção" não funciona, né? Procuram diferenciações por proteção, quando é um bacharel em Direito. Ou se tiver sido delegado de polícia, pede cela especial, e por aí vai... Mas, apesar do risco de qualificar um grupo criminoso desses, ainda defendo a não distinção após o trânsito em julgado. Ainda sou aliado dessa corrente apesar de ter o privilégio de ser advogado e de poder contar com essa proteção toda.

O senhor criticou o processo de discussão do Código no Senado. A OAB pretende se manifestar referente a isso?

Vamos. A nossa comissão continua constituída e agora que vamos começar a trabalhar mais na Câmara, porque no Senado não teve a menor condição. A bola ficava entre um engenheiro florestal e um promotor. Não existia paridade de armas. Na Câmara, como há inúmeros bacharéis, acredito que lá teremos um poder maior de negociação.

A OAB pretende se pronunciar formalmente sobre o processo que o senhor tanto criticou?


Isso, com certeza, haverá. Haverá uma manifestação formal, com certeza absoluta, com os pontos bons e os que consideramos ruins. 

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