quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Advogados criminalistas apontam uso abusivo de denúncia anônima

Durante o século XIII, os cidadãos de Veneza faziam denúncias secretas de inimigos do estado por meio da Bocca dei Leoni, uma fresta em formato de leão que dava para a Sala della Bussola, no Palazzo Ducale. As denúncias, escritas em um papel e colocadas na fenda, eram apreciadas pelo Conselho dos Doges que, muitas vezes, sem qualquer verificação da informação, torturava o denunciado até que ele confessasse o crime.

No Brasil, para impedir que denúncias sem qualquer fundamento promovam uma verdadeira devassa na intimidade dos cidadãos e para barrar o crime de denunciação caluniosa, os tribunais superiores já se manifestaram sobre o uso da delação anônima em inquéritos e processos judiciais. No entanto, apesar da jurisprudência apontar que é preciso investigar as informações prestadas na delação anônima, as autoridades policiais continuam a utilizá-la indiscriminadamente – seja para conseguir uma interceptação telefônica, seja para quebrar o sigilo fiscal e bancário de um suspeito ou mesmo para conseguir um mandado de busca e apreensão.

O advogado criminalista e ex-presidente da Comissão de Defesa das Prerrogativas do Conselho Federal da OAB , Paulo Sérgio Leite Fernandes, disse que "estamos vivendo um retrocesso, retornando à época do Conselho dos Doges de Veneza”. Para ele, a rotina de aproveitamento de provas captadas por meios ilegais, por denúncias anônimas, interceptação telefônica ou ambiental ilegal, está tão arraigada nos procedimentos investigatórios que a jurisprudência superior ainda não conseguiu força suficiente para resistir aos exageros.

“O juiz se opõe ao Supremo Tribunal Federal porque aquela orientação da suprema corte não foi sumulada. Portanto, não é normativa”, salienta. Como não há ainda parâmetros bem definidos, os juízes acabam enfrentando a decisão do Supremo, o que, em tese, segundo Fernandes, é possível, na medida em que não há súmula. “Este é um período nebuloso, porém, a interceptação telefônica ilegal perdura”, observou.

Para o criminalista Juliano José Breda, secretário-geral da Seccional paranaense da OAB, falta controle por parte do Poder Judiciário sobre os pressupostos de decretação de interceptação telefônica desacompanhados de outros elementos. “Especialmente a interceptação telefônica, na minha análise, não pode ser decretada tendo como base apenas uma denúncia anônima, sem indícios concretos de materialidade da infração”. (Conjur/Ludmila Santos)

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