quinta-feira, 28 de julho de 2011

Paridade de armas: Assentos de defesa e acusação acirram debates

Por Rodrigo Haidar
Revista Consultor Jurídico

Três irmãos lavradores de Turiaçu, cidade do oeste maranhense com cerca de 40 mil habitantes, distante 460 quilômetros da capital São Luís, sentaram-se no banco dos réus denunciados por homicídio no dia 8 de fevereiro passado. Tudo pronto para o julgamento, um dos advogados dos acusados, Roberto Charles de Menezes Dias, pede que o juiz mude a disposição da sala para que acusação e defesa sejam colocadas no mesmo nível.

Depois de consultar o Ministério Público, o juiz Luis Carlos Licar Pereira, que presidia o Júri, rejeitou o pedido. A mudança na disposição dos assentos era possível porque a sala de julgamento foi improvisada no auditório de uma escola pública, como é comum em cidades do interior onde o Poder Judiciário não conta com estrutura física adequada para fazer júris. Ou seja, as instalações não eram fixas.
Júri em Turiaçu: defesa de costas e aos pés do juiz que está ao lado e no mesmo nível da acusação

Júri em Turiaçu: defesa de costas e aos pés do juiz que está ao lado e no mesmo nível da acusação

A defesa pediu a reconsideração da decisão. Alegação: a disposição da sala feria o princípio da paridade de armas que deve reger os processos, já que os advogados haviam sido colocados “literalmente aos pés do juiz e do promotor” e de costas para os dois (veja foto ao lado). Também sustentou que, da posição em que estavam, os jurados não podiam enxergar os acusados ou todos os seus advogados, o que prejudicava exercício do direito de defesa.

Júri em Turiaçu (MA): ponto de vista dos jurados em relação aos advogados e réus

Júri em Turiaçu (MA): ponto de vista dos jurados em relação aos advogados e réus

O advogado Charles Dias argumentou: “A posição em que se encontra a defesa, sentada de costas para a presidência dos trabalhos e para parte ex-adversa neste julgamento, tendo que a todo o momento aguardar o comando do magistrado para saber se pode ou não se manifestar, para compreender se o procedimento anterior se encerrou ou não, imprime ao exercício da defesa um grande prejuízo, pois é princípio e de conhecimento comezinho de todos, de que os procedimentos judiciais se fazem pelo princípio da oportunidade, ou seja, respeito aos prazos e aos momentos”. Diante da nova negativa do juiz de mudar os defensores de lugar, os três advogados se retiraram da sessão e o julgamento foi adiado.

O que pode parecer uma discussão pequena à primeira vista ou insignificante diante da importância dos temas tratados pelo Judiciário vem ganhando corpo com rapidez em todo o país e já chegou até mesmo ao Supremo Tribunal Federal e ao Conselho Nacional de Justiça. As questões que se colocam são: O representante do Ministério Público deve se sentar no mesmo nível que a defesa? O fato de o membro do MP se sentar à direita do juiz em audiências e julgamentos, em nível muitas vezes superior ao dos advogados, prejudica a defesa?

Para a advocacia, as respostas são afirmativas para as duas perguntas. Os advogados lançam mão da Lei 8.906/94, o Estatuto da Advocacia, para sustentar que defesa e acusação devem ser colocados no mesmo nível. Em seu artigo 6º, a lei prevê que “não há hierarquia nem subordinação entre advogados, magistrados e membros do Ministério Público, devendo todos tratar-se com consideração e respeito recíprocos.”

Em contraposição, representantes do Ministério Público sustentam que o direito de se sentarem no mesmo plano e à direita do juiz é prevista na Lei Orgânica da instituição, a Lei Complementar 75/1993. O artigo 18 da norma fixa, dentre as prerrogativas dos membros do MP, “sentar-se no mesmo plano e imediatamente à direita dos juízes singulares ou presidentes dos órgãos judiciários perante os quais oficiem”.

Para o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), Alexandre Camanho de Assis, o argumento de que o assento do Ministério Público pode desequilibrar as forças opostas no processo não tem qualquer base. “O princípio da paridade de armas se consolida com o fato de as partes terem as mesmas oportunidades probatórias e temporais no processo. O lugar onde o representante do Ministério Público se senta nas audiências ou julgamentos não influi nisso”, afirma.

O presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Ophir Cavalcante Junior, acredita que a posição de desigualdade dos assentos é mais do que simbólica e pode sim influir no andamento do processo. “É uma agressão à imparcialidade. O cidadão, representado pelo advogado, não é menos importante do que o Estado, simbolizado pelo juiz ou pelo promotor. O Estado deve servir ao cidadão e não está acima da lei”, sustenta.

Paridade de armas

O Supremo Tribunal Federal esteve prestes a enfrentar o tema, mas há pouco mais de um mês a ministra Cármen Lúcia negou seguimento a uma ação da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) que contesta a prerrogativa do MP de se sentar no mesmo plano que o juiz. De acordo com a decisão, a regra atacada pela Anamatra, “em tese, interessaria todos os membros da magistratura nacional e não somente os juízes do trabalho”. Por isso, a ministra entendeu que a associação não tinha legitimidade para propor a ação.

O advogado da entidade, Alberto Pavie Ribeiro, entrou com Agravo Regimental contra a decisão da ministra. O agravo aguarda julgamento pelo plenário do STF. A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 3.962) atacou, além da Lei Orgânica do MP, a Resolução 7/2005 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho. A resolução garantiu aos representantes do Ministério Público o direito de assento no mesmo nível que o juiz em qualquer situação, seja quando atua como fiscal da lei, seja quando atua como parte do processo.

Segundo a Anamatra, “a observância da referida prerrogativa mesmo em hipóteses nas quais o Ministério Público atua como parte viola importantes garantias constitucionais, tais como o devido processo legal e a igualdade entre as partes que lhe é inerente”. Ainda de acordo com a entidade, a prerrogativa de se sentar ombro a ombro com o juiz apenas poderia ser exercida quando o Ministério Público atuasse como fiscal da lei (custos legis), “para o fim de ressaltar e assegurar a imparcialidade que se espera do Ministério Público nesta condição”.

Enquanto a entidade aguarda o julgamento do agravo contra a decisão da ministra, chegou ao Supremo no dia 15 de julho Reclamação (Rcl 12.011) do juiz federal Ali Mazloum, titular da 7ª Vara Criminal da Justiça Federal de São Paulo, sobre o mesmo tema. A petição também foi distribuída para a ministra Cármen Lúcia, que deve se manifestar sobre o pedido depois do recesso de julho.

O juiz contesta liminar concedida pela desembargadora Cecília Marcondes, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que determinou que o procurador da República permanecesse sentado “ombro a ombro” com o juiz durante audiências na Justiça Federal. A liminar foi concedida em Mandado de Segurança impetrado por 16 membros do Ministério Público Federal de São Paulo.

Os procuradores da República recorreram ao TRF-3 depois que Mazloum mudou a disposição da sala. Até então, os procuradores sentavam-se no mesmo estrado do juiz federal, à sua direita, colado à sua mesa. O juiz determinou a retirada do estrado. Todos ficaram no mesmo plano e colocou-se o assento do MPF ao lado do assento reservado à defesa, feita por advogados ou por defensores públicos.

A mudança foi feita pelo juiz diante de provocação da Corregedoria do TRF-3 e a pedido da Defensoria Pública da União. Os defensores sustentam que a mudança é necessária para cumprir a Lei Complementar 132/2009 (Lei Orgânica da Defensoria Pública), que deu a eles a prerrogativa de sentar-se no mesmo nível dos procuradores. “Aos membros da Defensoria Pública é garantido sentar-se no mesmo plano do Ministério Público”, diz a lei.  Os 16 procuradores que contestaram a medida, e obtiveram a liminar, afirmaram que a fórmula poderia acarretar nulidades nos processos.

Na Reclamação, o juiz Ali Mazloum pede que o STF acolha as mudanças que fez em sua sala de audiências e adote a portaria que as efetivou como “modelo válido para toda a magistratura, com vistas a assegurar paridade de tratamento entre acusação e defesa durante as audiências criminais”. O processo está, novamente, nas mãos da ministra Cármen Lúcia.

Para o defensor público Gabriel Faria Oliveira, presidente da Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), o pedido deve ser acolhido pelo Supremo. De acordo com Oliveira, o Supremo já teve a oportunidade de decidir isso em um recurso julgado em 1994, em que o relator foi o ministro Marco Aurélio (RMS 21.884).

“Em seu voto, o ministro Marco Aurélio afirma expressamente que a prerrogativa do artigo 18 da Lei Orgânica do Ministério Público não pode levar, sob pena de ser até ridículo, a uma confusão entre os papéis do Ministério Público e do magistrado”, disse o defensor. “O Ministério Público, especialmente na ação penal, é parte. Tanto é parte que os recursos do Ministério Público, assim como os da Defensoria Pública, são julgados procedentes ou improcedentes”, reforça Gabriel Oliveira.

O presidente da Anadef sustenta que “colocar o representante do Ministério Público no mesmo plano que o defensor público ou que o advogado privado é o formato que melhor atende o devido processo legal, a igualdade entre as partes e, especialmente, o processo democrático em que o cidadão tenha as mesmas armas que o Estado e no qual o juiz possa ficar equidistante das partes para aferir, com imparcialidade, a verdade dos fatos”.

Fiscal da lei

Membros do Ministério Público discordam da visão dos defensores. De acordo com o presidente da ANPR, Alexandre Camanho de Assis, o lugar ao lado do juiz é tradicionalmente reservado ao Ministério Público e já faz parte da topografia das instalações do Judiciário.

O procurador defende que o fato de a lei complementar reservar o lugar do representante do MP à direita e no mesmo plano que o juiz já seria suficiente para que nenhum magistrado, “por meio de atos normativos menores como portarias”, retirasse de seu lado o assento do MP.

“O juiz ocupa o lugar central na sala de audiências e o membro do Ministério Público senta ao seu lado porque ele é tão magistrado quanto o juiz que está ali. O MP não exerce só o ofício da acusação e, mesmo nos casos em que momentaneamente acusa, não se despe das atribuições de defender o Estado Democrático de Direito”, afirma Camanho de Assis.

“Com tantas questões sérias a se discutir neste país, tanta jurisdição por se prestar, ficamos discutindo o lugar que deve ser ocupado. Atribuo isso ao fato de ainda sermos um jovem Estado Democrático de Direito”, sustenta o presidente da ANPR. “Afirmar que o lugar ocupado pelo MP pode ferir a paridade de armas é desconhecer a realidade do processo penal”, conclui.

Para o procurador da República no Rio de Janeiro Fábio Seghese, o lugar do Ministério Público representa a sua principal atribuição constitucional: a de custos legis. Ou seja, fiscal da lei. “Essa discussão se resolve em razão do simbolismo da atuação do MP. Mesmo quando atua em processos penais ou como autor de ações civis públicas, o membro do Ministério Público não de desveste de sua principal função, de buscar a verdade real do processo. É justamente essa atribuição que justifica o assento reservado no mesmo plano do juiz”, afirma.

De acordo com Seghese, o juiz e o representante do Ministério Público buscam, no processo, o mesmo resultado: a verdade. “O representante do MP não busca necessariamente a condenação. Há o argumento de que alguns membros se portam como perseguidores. Estes estão agindo mal. Mas não se pode fazer a regra a partir das exceções. O membro do MP não tem interesse na condenação ou na absolvição. Seu interesse é a busca da verdade real. Essa é a essência da discussão e é a razão de ser de ele se sentar ao lado do juiz, no mesmo plano”.

Em artigo publicado em janeiro em seu blog, o procurador da República em São Paulo Márcio Schusterschitz defendeu ideia semelhante. “O lugar e a altura do Ministério Público na mesa não são assim funcionalizados como condição de desigualdade das partes e desequilíbrio do devido processo legal. São critérios de comunicação, inclusive para seu próprio membro, que, como fiscal da lei, não cabe ao promotor ou procurador se desenvolver com desembaraço para buscar, como um fim em si e como se simples parte para tanto fosse, a condenação”.

Lenio Streck, procurador de Justiça do Rio Grande do Sul que é apontado como um bom nome para o Supremo Tribunal Federal sempre que uma vaga na Corte se abre, também já escreveu sobre o assunto. Em artigo publicado no site da Associação do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, o procurador afirma que o MP dos tempos atuais lança-se ao exercício de uma magistratura ativa na defesa da ordem jurídico-democrática.

“Essa vocação à defesa da legalidade democrática é o que fundamenta a existência e o estatuto constitucional do Ministério Público. Sua missão institucional, portanto, não pode ser hermeneuticamente reduzida em suposta obediência à ‘bipolaridade’ própria de uma teoria linear do processo. O Ministério Público tradicionalmente ocupa o lugar que ocupa não porque é mais importante ou porque é igual à parte ou o juiz, mas, sim, porque ocupa um lugar que é simplesmente diferente. E isto não faz o Ministério Público ser mais ou menos democrático, assim como o uso dos elevadores privativos ou o lugar de destaque da mesa do juiz não fazem o judiciário mais ou menos democrático”, escreveu Lenio Streck.

Mobília nova

Apesar da discussão, o fato é que muitos juízes pelo país têm mudado a disposição das salas de audiências e julgamento para colocar advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público no mesmo nível. Há casos que já chegaram ao Conselho Nacional de Justiça.

O conselheiro Marcelo Nobre tem nas mãos um processo em que o Ministério Público do Distrito Federal contesta a nova disposição dos lugares elaborada por juízes de cidades-satélite de Brasília. O MP-DF pediu liminar para que os promotores e procuradores voltassem a se sentar ao lado e no mesmo plano que os juízes. A liminar foi concedida.

Os juízes vieram ao CNJ e mostraram ao conselheiro o novo layout das salas, de acordo com a determinação do CNJ. Nobre considerou razoável a adaptação. Defensores públicos se habilitaram no processo para defender a igualdade e também foram recebidos pelo conselheiro. O processo está em fase final de instrução e deve ser julgado pela nova composição do CNJ até o fim do ano.

Um dos pedidos dos defensores é exatamente igual ao que foi feito pela Anamatra na ação ajuizada no Supremo. Que o MP, quando atuar como parte, se sente no mesmo patamar que a defesa e que ocupe o lugar ao lado do juiz somente quando estiver representando, de fato, o papel de fiscal da lei.

A seccional do Distrito Federal da Ordem dos Advogados do Brasil também já se manifestou sobre o tema. O corregedor da Justiça do DF, desembargador Sérgio Bittencourt, pediu que a OAB-DF se manifestasse em um processo administrativo aberto no Tribunal de Justiça porque o juiz do 2º Juizado Especial Cível e Criminal e seu colega do 2º Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher de Planaltina adotaram, em suas respectivas salas de audiência, layout que atenderia as prerrogativas de membros do Ministério Público e da Defensoria Pública. Ou seja, todos os atores do processo judicial foram colocados no mesmo plano.

A Procuradoria-Geral de Justiça deu parecer contrário às mudanças e a Associação dos Defensores Públicos do Distrito Federal manifestou “apoio incondicional e irrestrito à iniciativa adotada”. A consulta foi respondida pela Comissão de Assuntos Constitucional da OAB-DF. A relatora, advogada Ariane Costa Guimarães, considerou que a mudança nas salas de audiência foi benéfica ao devido processo legal.

“Do ponto de vista constitucional, trata-se de medida que buscou a concretização da igualdade, princípio consagrado da Constituição Federal, o qual prevê a mesma distância entre os órgãos estatais de acusação e de defesa, na atuação de suas típicas funções institucionais. Conferiu-se, nesse particular, isonomia na disposição das salas de audiência”, escreveu na resposta à consulta.

De acordo com Ariane, “a distribuição dos lugares na sala de audiência sem nivelação entre os participantes por meio de tablados, mantendo o representante do órgão ministerial à direita do juiz, o da defensoria pública à esquerda e os patronos sucessivamente nos dois lados, está em conformidade com os preceitos constitucionais e legais”. A advogada ainda assinalou que é dever da Comissão de Assuntos Constitucionais da OAB “fiscalizar a implementação geral, célere e efetiva das novas disposições nas salas de audiência no Distrito Federal”.

No Rio Grande do Sul, recentemente, um juiz também determinou a alteração do mobiliário da sala de audiências, para que o representante do Ministério Público sente no mesmo plano da defesa (clique aqui para ler reportagem sobre a alteração). A medida vai ao encontro de um estudo da seccional gaúcha da OAB. A ideia, apresentada pelos advogados e reforçada pelo juiz, não é tirar a prerrogativa histórica do MP de postar-se ao lado esquerdo juiz, mas assegurar direito semelhante ao advogado defensor — de modo que este não fique hierarquicamente inferiorizado na cena do julgamento.

Direito de defesa

Enquanto o tema não é enfrentado definitivamente pelo Supremo ou pelo CNJ, o advogado maranhense Charles Dias, que se retirou do julgamento de seus clientes na cidade de Turiaçu, busca por meio de em recurso ao Superior Tribunal de Justiça, garantir o direito de defender seus clientes no mesmo nível que o Ministério Público.

Depois de deixar o julgamento, o advogado entrou com pedido de Habeas Corpus no Tribunal de Justiça do Maranhão, alegando que seus clientes sofrem cerceamento de defesa. Ao pedido, anexou fotos da disposição da sala de julgamento para mostrar que não poderia, segundo alega, fazer a defesa dos acusados em pé de igualdade com o Ministério Público.

O pedido foi rejeitado pelo TJ maranhense com o argumento de que o Habeas Corpus não é o instrumento adequado para questionar o ato. O advogado insistiu e entrou com recurso para o STJ. Admitido para ser julgado, o processo foi distribuído ao desembargador convocado Vasco Della Giustina.

Charles Dias sustenta que o Supremo já fixou que o Habeas Corpus é, sim, instrumento apto para sanar o problema de seus clientes. Segundo sustenta, o STF decidiu que “para obviar ameaça ou lesão à liberdade de locomoção — por remotas que sejam — há sempre a garantia constitucional do Habeas Corpus”. No recurso ao STJ, o advogado pede que seja determinado ao TJ do Maranhão que julgue o Habeas Corpus impetrado em favor de seus clientes.

De acordo com o advogado, não há como negar que houve cerceamento de defesa em seu caso. “Ainda mais como foi disposta a sala para o julgamento na ocasião. Até nas mesas em que foram colocadas a acusação e a defesa estava presente uma simbologia importante. Para o juiz e o promotor, mesas de professores. Para os advogados, carteiras de alunos. Ou seja, o juiz e o promotor ensinam. E os advogados aprendem”, argumenta.

O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante Junior, contou que a Comissão Nacional de Prerrogativas da Ordem está estudando o assunto e deve, em breve, tomar medidas para garantir que membros do MP e da advocacia fiquem no mesmo plano nas salas de audiências e julgamentos. “A regra legal é que não há hierarquia entre os atores do processo. Não pode haver subserviência. Pode parecer uma questão menor, mas efetivamente a defesa fica inferiorizada aos olhos da sociedade e da parte quando está em um nível abaixo ao da acusação”, opina.

Ophir afirma que não vê problemas em o representante do Ministério Público sentar no mesmo plano do juiz quando ele não é parte no processo. Mas, quando é parte, deve ocupar o mesmo patamar que os defensores. “A realidade, o cotidiano dos foros tem mostrado que a proximidade do promotor com o juiz é muito maior do que a da parte, do advogado, com o magistrado. Logo, a possibilidade de que a tese da acusação seja acolhida é maior. Essa desproporção é que se quer corrigir”, conclui o presidente da OAB.

Para a juíza de Direito em São Paulo Kenarik Boujikian Felippe, ex-presidente da Associação dos Juízes para a Democracia, parece surreal que uma discussão como essa tenha que ocupar a agenda do Supremo Tribunal Federal para ser pacificada. “Não existem dúvidas de que as partes têm que ter tratamento igualitário. Não entendo como alguém pode se insurgir contra isso. O bom senso teria de bastar para resolver a questão”, afirma Kenarik.

De acordo com a juíza, o argumento de que o Ministério Público também exerce uma espécie de magistratura é equivocado: “Não exercemos os mesmos papéis. As atribuições do MP não são equivalentes nem similares às do Poder Judiciário. O Judiciário é um poder de Estado. MP e advocacia são essenciais à Justiça, mas não são poderes de Estado”.

Kenarik reconhece a importância da discussão do ponto de vista da simbologia, mas entende que a solução é simples e encontra abrigo no que determina a Constituição Federal, que o princípio da igualdade deve prevalecer no curso do processo e em seu julgamento. “Definitivamente, essa discussão não deveria chegar ao Supremo Tribunal Federal”, afirma, inconformada, a juíza.

quarta-feira, 27 de julho de 2011

Erro em quesito ao júri só anula julgamento se causar prejuízo efetivo

Eventual erro na elaboração das questões submetidas aos jurados, se não for apontado no momento certo e se não houver demonstração de prejuízo efetivo para a parte, não será motivo para a anulação posterior do julgamento. O entendimento foi dado pela Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar pedido de habeas corpus em favor de uma mulher de São Paulo condenada a 12 anos de reclusão por lesão corporal seguida de morte e ocultação de cadáver.

Quando a ré foi julgada, dois dos quesitos apresentados pelo juiz ao corpo de jurados eram se ela, em companhia de outras pessoas, havia causado os ferimentos na vítima e se esses ferimentos haviam levado à sua morte. As respostas foram positivas. A acusação era de homicídio qualificado, mas, para atender à tese da defesa, o juiz perguntou também se a ré teria apenas pretendido participar de um crime de lesão corporal. A resposta, igualmente, foi positiva.

Diante das respostas, o juiz entendeu que o conselho de sentença havia desclassificado o crime, de homicídio para lesão corporal seguida de morte. Tanto a defesa quanto o Ministério Público apelaram. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) acatou os argumentos da acusação e anulou o julgamento, por considerar que houve contradição nas respostas. Segundo o TJSP, os jurados teriam reconhecido a intenção de matar e, depois, admitido a tese da defesa, o que exigiria que o juiz explicasse a contradição e submetesse os quesitos a nova votação.

Para o tribunal paulista, o juiz deveria ter indagado aos jurados a respeito da existência de dolo direto ou indireto (eventual, quando não há intenção de produzir o resultado mas se assume o risco de produzi-lo). Só no caso de o júri negar a existência de dolo é que o campo estaria aberto para a tese da defesa sobre lesão corporal. Segundo os desembargadores de São Paulo, a formulação das perguntas acabou por cercear o exercício da acusação.

No habeas corpus, a defesa contestou a anulação determinada pelo TJSP e pediu liminar – concedida pela relatora, ministra Laurita Vaz – para suspender o novo julgamento até a decisão final do STJ.

De acordo com a relatora, eventuais irregularidades na formulação dos quesitos aos jurados devem ser arguidas em momento oportuno. O artigo 479 do Código de Processo Penal, com a redação vigente à época do julgamento, determinava que, após a leitura dos quesitos, deveria o magistrado perguntar às partes sobre eventual reclamação. A ata da sessão não registra nenhuma queixa. “Ressalta-se que, embora aventada a existência de prejuízo, não se especificou qualquer lesão concreta que pudesse ter decorrido, o que impede o reconhecimento de nulidade”, destacou a ministra.

Como não houve registro de reclamação no tempo adequado ou a demonstração de efetivo prejuízo para a acusação em razão dos quesitos formulados, o caso, segundo a relatora, já estaria atingido pela preclusão (situação em que a parte perde um direito por não tê-lo exercido no momento oportuno). . Com base nesse entendimento, a Quinta Turma concedeu o habeas corpus para afastar a nulidade e determinar que o tribunal paulista prossiga na análise de outras questões que haviam sido levantadas nos recursos de apelação.

A respeito da controvérsia sobre as perguntas dirigidas aos jurados, a ministra Laurita Vaz observou que o quesito responsável pela desclassificação foi formulado com “total clareza e simplicidade”, o que não justifica a anulação. Para ela, não houve a contradição enxergada pelo TJSP, pois “os jurados reconheceram, tão somente, a prática dos atos de execução, os quais resultaram na morte da vítima, e não a coautoria de um crime de homicídio”.

“Ainda que tivesse havido alguma impropriedade ou mesmo defeito na formulação de quesito, o que não ficou evidenciado, tal hipótese, dissociada da demonstração de efetivo prejuízo, sujeita-se à preclusão quando não arguida no tempo oportuno”, disse a ministra. Ela afirmou também que o fato de os jurados terem respondido afirmativamente em relação ao fato principal e à letalidade não conduz necessariamente a uma resposta também positiva sobre a intenção da ré de participar de delito menos grave, razão pela qual não se pode falar em prejuízo.

Nova lei muda forma de calcular a remição da pena

Além de criar a possibilidade de redução da pena quando o detento estuda, a Lei 12.433/11, que entrou em vigor em junho, muda a forma de cálculo da diminuição da pena. Desde então, a remição passa a se somar à pena já cumprida, em vez de reduzir o tempo que ainda será cumprido. O novo dispositivo da Lei de Execução Penal, mais benéfico ao réu, pode ter passado despercebido.

A nova lei altera o artigo 128 da LEP. Antes, o artigo previa: "o tempo remido será computado para concessão de livramento condicional e indulto", e o entendimento era de que o tempo de remição deveria ser descontado do restante da pena que se tinha pela frente. Por exemplo, se alguém condenado a um ano de prisão conseguia diminuir sua condenação em um mês, passava a cumprir 11 meses.

O novo texto do artigo 128 afirma que "o tempo remido será computado como pena cumprida, para todos os efeitos". Ou seja, os dias descontados passam a se somar aos dias cumpridos. Então, se alguém condenado a um ano já cumpriu três meses e conseguiu remir a pena em um mês, passa a constar que a pessoa já cumpriu quatro meses. Para o cálculo da progressão de regime, a mudança é um grande benefício para os presos.

Quem trouxe essa discussão à pauta do Judiciário foram os advogados Denivaldo Barni e seu filho, Denivaldo Barni Júnior, em maio de 2009. Naquela ocasião, foi concedido um Habeas Corpus à Suzane von Richthofen, cliente dos dois — caso de grande repercussão que levantou ampla discussão na imprensa.
Em decisão monocrática, o ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça, aplicou o entendimento da soma dos dias remidos aos dias cumpridos ao caso de Suzane. Foi uma vitória, segundo Barni. Com base nessa argumentação é que se desenvolveu o fundamento usado para propor a Lei 12.433/11 e a alteração na LEP.

Tese semelhante foi usada pelos dois advogados em outra defesa, no caso de uma mulher presa em Tremembé (SP). A juíza Sueli Zeraiki de Menezes estendeu o entendimento a todos os demais presos das unidades sob sua jurisdição, pois, segundo a sua decisão, trata-se de medida benéfica de alcance geral.

O caso mais recente é da semana passada, dia 19 de julho. Neste, o desembargador Toloza Neto, relator do Agravo na 3ª Câmara de Direito Criminal do TJ paulista, mudou o seu entendimento com base na nova redação da LEP. "Embora tenha sido o entendimento deste relator o de os dias remidos não constituam pena efetivamente cumprida, a questão passou a ser superada pelo advento da Lei 12.433, de 29 de junho de 2011", escreveu.

Com isso, deu provimento ao Agravo para considerar como pena efetivamente cumprida os dias remidos pelo réu com trabalho. A decisão foi unânime.

Para Denivaldo Barni, "o silencio da Lei [de Execução Penal] acabou ensejando essa jurisprudência, que agora foi normatizada". É, em sua opinião, uma grande conquista da advocacia para os presos brasileiros. (Conjur)

Câmara analisa proposta que simplifica regras do agravo de instrumento

A Câmara dos Deputados analisa um Projeto de Lei (PL 215/11), do deputado Sandes Júnior (PP-GO), que torna menos rígido o processamento de agravo de instrumento – recurso contra decisões judiciais no curso do processo, dirigidas a instância superior para serem julgadas imediatamente.

A proposta permite a alteração da petição do recurso – documento por meio do qual a parte pede a revisão da decisão com que não concorde. Segundo o autor, o objetivo é impedir que o direito da parte seja prejudicado devido a defeitos formais no instrumento do recurso.

Nos termos do projeto, passam a valer as mesmas regras aplicáveis à petição que faz iniciar o próprio processo. Se não estiverem atendidas as formalidades legais, em vez de mandar arquivar o processo, o juiz dá 10 dias para que o autor regularize a petição inicial.

Essa determinação está de acordo com o princípio de que o direito em si é mais importante que as formalidades e não pode ser por elas preterido. Com isso, na opinião do deputado, "evita-se que as formalidades processuais passem à frente do direito material".

Outra modificação prevista se refere à autenticidade da documentação. Pelo projeto, as cópias de documentos que acompanharem a petição do agravo de instrumento para fins de prova serão consideradas autênticas, a não ser que a parte contra quem se formule o recurso contestar a sua veracidade.

A proposta altera o Código de Processo Civil (Lei 5.869/73). Na Câmara, tramita um projeto de teor semelhante, o PL 6951/06, do ex-deputado Celso Russomanno.

O projeto está apensado ao PL 1522/03, do deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP). As propostas serão analisadas, em caráter conclusivo, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania. (Agência Câmara)

terça-feira, 26 de julho de 2011

Dívidas judiciais poderão ser pagas com cartão de crédito e débito

O Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal estudam a implantação de um sistema que permitirá o pagamento dividas judiciais por meio de cartão de crédito ou de débito. O sistema, que deverá ser implantado nas salas de audiências dos tribunais de todo o país, deve reduzir a burocracia nos pagamentos de multas e indenizações determinadas pela Justiça. A idéia é que a dívida possa ser liquidada logo após a sentença.

As duas instituições pediram ao CNJ (Conselho Nacional de Justiça) um prazo de seis meses para analisar a viabilidade do projeto. Segundo a corregedora-nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, o sistema começará a ser testado em outubro, em uma vara da Justiça do Trabalho no Estado do Pará. A ideia é iniciar pela justiça trabalhista e depois expandir o projeto para todos os ramos da Justiça.

A expectativa do CNJ é que o uso dos cartões de crédito e débito dê maior efetividade às decisões judiciais, assegurando o imediato pagamento dos valores acordados ou determinados pelo juiz. 

Atualmente, é grande o número de empresas e pessoas físicas que, condenadas pela Justiça, pagam com cheque sem fundos ou descumprem os acordos de pagamento parcelado. Isso leva o credor a continuar demandando o Poder Judiciário para receber o que tem direito, tornando mais demorado o encerramento do processo. (Última Instância)

Advogado que viola sigilo em investigação de paternidade deve indenizar

A 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul condenou um advogado por violação de sigilo em um processo de investigação de paternidade. O profissional enviou para a casa do suposto pai e para a igreja onde ele atuava como pastor documentos referentes ao processo de investigação de paternidade movido por sua cliente. O ato provocou situação de constrangimento e humilhação no âmbito familiar e social do pastor. Sua mulher pediu o divórcio. O julgamento da apelação ocorreu no dia 20 de julho. Cabe recurso.

O processo tramitou na Comarca de Pelotas. O juiz de Direito Paulo Ivan Alves Medeiros, da 1ª Vara Cível, acatou o pedido. Ele fixou a indenização em R$ 10 mil, corrigidos monetariamente. Segundo o juiz, o relato de testemunhas comprovou o fato ilícito do advogado e os danos morais sofridos pelo autor da ação de indenização.

‘‘A esposa do demandando disse que foi casada durante 15 anos e viu seu casamento ser destruído em razão de uma carta que chegou a sua residência, a qual relatava sobre uma filha que o marido teria tido fora do casamento. Destacou, também, que na igreja, na qual ele era pastor, todo mundo soube, e, em razão disso, foi afastado de suas funções’’, destacou o juiz em sua sentença.
Em depoimento, o advogado disse que enviou as correspondências, cumprindo com sua obrigação profissional, não revelando a ninguém. Explicou que remeteu a correspondência a pedido de sua cliente, pois assim o réu se sentiria na obrigação de reconhecer a paternidade. Salientou que no verso da petição havia pedido para entrar em contato para evitar a demanda judicial.

O juiz Paulo Ivan Alves Medeiros explicou que o Estatuto da Advocacia diz que é infração disciplinar violar, sem justa causa, sigilo profissional. ‘‘Na medida em que enviou carta com o teor da ação de investigação de paternidade, o requerido violou o mencionado dispositivo (Estatuto da OAB), pois permitiu que terceiros tomassem conhecimento dos fatos a ele confiados pela cliente’’. O advogado apelou.

Na 9ª Câmara Cível, o desembargador relator Tasso Caubi Soares Delabary confirmou a condenação e majorou o valor da indenização para R$ 16,5 mil, corrigidos monetariamente. Ele explicou que, além de ferir o Estatuto da OAB, o advogado réu não respeitou garantias constitucionais. ‘‘O direito à intimidade é uma das garantias previstas expressamente no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal’’, emendou.

O desembargador também informou que a conduta vai contra o que prevê o Código de Processo Civil Brasileiro. A ‘‘ação de investigação de paternidade, por expressa previsão legal, deve tramitar em total sigilo processual, nos termos do artigo 155, inciso II, do CPC’’, explicou o relator. Participaram do julgamento as desembargadoras Iris Helena Medeiros Nogueira e Marilene Bonzanini. (TJRS)

Clique aqui para ler a sentença.

Defensor não precisa de inscrição na OAB, diz parecer

A possibilidade do defensor público de postular em juízo decorre da sua nomeação na Defensoria e não de sua inscrição na Ordem dos Advogados do Brasil. A afirmação, que põe lenha na fogueira da disputa entre defensores e a OAB , é de Celso Antônio Bandeira de Mello. Em parecer entregue no dia 14 de julho à Associação Paulista de Defensores Públicos a pedido da entidade, o professor da Universidade de São Paulo afirma que a inscrição é exigida no ato da admissão do advogado na Defensoria apenas como aferição de capacidade técnica.

Segundo o vice-presidente da associação, Rafael Português, o parecer será usado nos julgamentos em curso no Tribunal de Justiça de São Paulo e, caso necessário, nos tribunais superiores.

"Para que o defensor público disponha de capacidade postulatória não é necessário que, havendo estado inscrito na OAB, por ocasião do concurso para o cargo ou da posse nele, permaneça inscrito no álbum profissional, pois sua capacidade postulatória decorre exclusivamente de sua nomeação e posse no correspondente cargo público", diz o parecer gratuito feito por Bandeira de Mello.

Nesse caso, em sua opinião, cumprida a formalidade, o defensor pode atuar em juízo ou extrajudicialmente na defesa dos interesses da parte assistida, interpretação que se baseia no artigo 4º, parágrafo 6º, da Lei Complementar 80, a Norma Geral da Defensoria. 

Vice-presidente da Associação, o defensor Rafael Português elogiou o parecer. Para ele, a legislação já outorga capacidade postulatória a outros agentes, independentemente de inscrição na OAB, como delegados de Polícia, membros do Ministério Público, trabalhadores na Justiça do Trabalho, cidadãos nos Juizados Especiais e agentes públicos nos Mandados de Segurança. 

"Este parecer do professor Celso Antônio Bandeira de Mello, maior autoridade administrativista do país, dá segurança aos defensores públicos e alia-se a decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo que já vinham dando ganho de causa à Defensoria Pública", afirma Português.

Em março, 80 dos 500 defensores públicos de São Paulo pediram desligamento da OAB-SP, por considerar que a vinculação com a entidade não é necessária ao exercício do cargo. À época, a OAB-SP afirmou que a inscrição é requisito para tomar posse no cargo e que a baixa pode ensejar exercício ilegal da profissão. Por isso, encaminhou denúncia ao Ministério Público pedindo a exoneração do grupo.

Em maio, ao julgar um recurso de apelação, o Tribunal de Justiça paulista reconheceu que a inscrição na OAB para defensores não é necessária. "A capacidade postulatória do defensor público decorre exclusivamente de sua nomeação e posse em cargo público", disse o desembargador Fabio Tabosa ao relatar o recurso. Dias depois, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região negou liminar em que a Associação dos Defensores Públicos de Mato Grosso do Sul pedia que seus associados fossem dispensados da inscrição na OAB. Para a desembargadora Alda Basto, o Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei 8.906/1194) é a legislação que estabelece as qualificações profissionais do defensor público.

É o segundo parecer seguido dado gratuitamente pelo professor Celso Antônio Bandeira de Mello em favor de entidades representativas da advocacia pública. No mês passado, a União dos Advogados Públicos Federais do Brasil foi prestigiada com uma manifestação contrária à dupla vinculação dos procuradores da Fazenda Nacional à Advocacia-Geral da União e ao Ministério da Fazenda, questão discutida em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade no Supremo Tribunal Federal.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Um vácuo de liderança pode fazer o escritório de advocacia despencar

Todos os advogados são criados iguais. E iguais são todos perante a lei. Mas, no caso de firmas de advocacia, uns têm de ser mais iguais que os outros. "Toda banca, não obstante seu tamanho, precisa de uma liderança forte", afirma o consultor de gerenciamento de escritórios de advocacia Joel A. Rose. Caso contrário, o "vácuo de liderança" pode prejudicar seriamente o desempenho da firma em todas as áreas. As informações são do correspondente da revista Consultor Juródico nos Estados Unidos, João Osório de Melo.

Um bom gerenciamento de escritório de advocacia não pode ser executado sem alguma forma de governança, afirma o consultor. Por isso, todos os sócios devem concordar em garantir algum grau de independência ao sócio-administrador ou a um comitê executivo de administração. Os sócios precisam alcançar um equilíbrio entre seus direitos como proprietários da firma e suas responsabilidades como "cidadãos" da firma. Devem abrir mão de algumas de suas prerrogativas pessoais para conquistar resultados que só podem ser obtidos por uma equipe bem estruturada.

Isso não é fácil, na prática, porque cada sócio sabe que tem seus direitos e prerrogativas e querem exercer sua autoridade. Mas, é preciso reconhecer a necessidade de uma liderança. O líder — ou o comitê executivo — não terá sucesso até que todos os advogados aceitem ser governados, em alguns aspectos operacionais. "Isso é tão importante, quanto o trabalho de todos na conquista de novos clientes", declara Joel Rose.

Em muitos casos, a liderança resulta de um processo de "seleção natural": o líder é sócio-fundador e detém uma base significativa de clientes. Em outros, nem tanto. Em algumas firmas, principalmente as novas, pode não ficar clara a liderança natural de um dos sócios. Em outras, ninguém quer o cargo. Todos querem atuar na advocacia, em vez de cuidar de negócios, aliás, uma área em que raramente advogados têm algum treinamento, afirma o consultor. E isso é uma coisa em que ninguém pensa na criação da firma ou na contratação de advogados.

Nos últimos casos, há duas sugestões: 1) Os sócios elegem, democraticamente, o administrador da firma; 2) cria-se um comitê de administração — em que cada membro terá suas responsabilidades — e o comitê indica o administrador. A segunda opção traz o risco inerente de o comitê de administração ser tão forte quanto o administrador. Isso cria o caldo para o desenvolvimento de divisões e divergências internas.

O líder precisa ter o respeito e o apoio de todos. Deve poder influenciar e dominar, quando necessário. As habilidades do líder devem combinar capacidade de julgamento, senso de oportunidade e visão. Ele tem a obrigação de manter os objetivos da firma no rumo certo. Precisa ter a capacidade de se elevar acima de si mesmo, entendendo que o bem da firma está em primeiro lugar. "A firma, não o líder, deve ser a estrela", ensina o consultor.

Há uma diferença entre as pessoas no grupo que querem, justamente, exercer suas prerrogativas de opinar, influir, participar de tomadas de decisão, bem como da elaboração de planos e estratégias, mas, depois da reunião, vão cuidar de outras coisas. E as que, depois da reunião, vão dar prosseguimento às decisões, aos planos, estratégias e objetivos e executá-los — estas são as candidatas a responsável pelo gerenciamento do escritório. Portanto, o mais importante, segundo o consultor, "é que o sócio-administrador queira administrar a firma".

O comitê de administração pode ter alguns advogados que são bons na área de administração e alguns que não são. Entretanto, que fique claro: o apetite pelo debate é uma qualidade de nascença da maioria dos advogados. Data vênia, é um talento sine qua non para o exercício da advocacia, tão forte como a tendência do meio jurídico de usar expressões em latim. Mas é preciso entender que não existe tal coisa como "gerenciamento por debate", explica o consultor. "Isso só leva a reuniões e discussões intermináveis", ele diz.

Há funções que são exclusivas do administrador ou do comitê de administração. Outras podem ser compartilhadas com outros sócios ou advogados. Joel Rose apresenta a sua lista de responsabilidades (que, evidentemente, podem ser adaptadas, de acordo com as condições específicas de cada firma).

Cabe ao comitê de administração:

1. Monitorar o desempenho econômico da firma;
2. Elaborar planos e estratégias de longo prazo, definir objetivos e traçar rumos para executá-los;
3. Certificar-se de que os sistemas estão estabelecidos e que indivíduos foram responsabilizados por toda e qualquer área de administração da firma;
4. Tomar as principais decisões e fazer recomendações em áreas como compensação para advogados, sistema de faturamento, abertura de novos escritórios e ingresso em novas áreas de especialização;
5. Estabelecer um sistema de comunicação com toda a firma, destinado a obter informações para alimentar o processo de tomada de decisão e a popularizar, internamente, as decisões e programas adotados pela firma.

Cabe ao sócio-administrador da firma:

1. Manter o moral dos advogados, como um grupo e individualmente;
2. Antecipar as necessidades da administração e fazer recomendações para atendê-las;
3. Supervisionar o administrador-executivo da firma.
4. Tomar decisões relativas a matérias que não justificam consideração do comitê de administração, tais como implementação de política de pessoal;
5. Implementar as decisões do comitê de administração, comunicando-se com os advogados que vão ser encarregados de executá-las e se certificar de que elas foram implementadas;
6. Coordenar todas as atividades de administração.

Cabe ao comitê, ao administrador, a um advogado indicado (ou ainda ao administrador-executivo):

1. Supervisionar matérias financeiras e sistemas de relatório da firma, incluindo preparação e monitoramento de orçamento, faturamento, cobrança, fluxo de caixa, análise de relatórios do gerenciamento nos quesitos tempo e dinheiro, e recomendações sobre investimentos de excesso de fundos;
2. Supervisionar o desenvolvimento da carreira dos advogados, incluindo avaliações, treinamento e designações de trabalho em geral;
3. Supervisionar as carreiras de assistentes de advocacia, incluindo avaliações, treinamento e designações de trabalho em geral;
4. Pesquisar, avaliar e fazer recomendações ao comitê de administração sobre projetos especiais, tais como contratação de advogados experientes, abertura de novos escritórios e de novas áreas de especialização."

O consultor também sugere que o administrador deve responder às seguintes questões:

"Políticas da firma

1) A firma tem uma política apropriada para conquistas de novos clientes?
2) Os critérios para aceitar ou rejeitar novos clientes são conhecidos por todos os advogados?
3) A firma tem um critério estabelecido para contratar?
4) A firma faz avaliações dos advogados de uma forma regular? Os critérios de avaliação são pertinentes? Os advogados são informados dos resultados?
5) Os critérios para se tornar um sócio ou um membro do comitê de administração são conhecidos. Eles são revisados periodicamente?
6) A firma estabeleceu políticas para atividades não faturáveis, tais como trabalho pro bono, relações com clientes, atividades comunitárias ou administração da firma?
7) Os advogados estão bem informados sobre as políticas de faturamento da firma?
8) Os advogados conhecem as políticas da firma para honorários e despesas?
9) Os advogados foram informados sobre a estrutura de distribuição de renda aos sócios e associados?

Organização

1) Como os departamentos estão organizados? Os cargos nas áreas da prática estão devidamente preenchidos e a execução é supervisionada?
2) Os advogados conhecem bem suas funções nos diversos comitês?
3) Advogados novos fazem parte dos comitês? A representação nos comitês reflete todas as atividades da firma?
4) Como é determinada a adesão aos comitês? Quem serve nos comitês? Como eles são selecionados? Qual é o mandato deles?
5) O pessoal administrativo atende as necessidades e requisições dos advogados?
6) Os equipamentos e a tecnologia usada no escritório são atualizados?

Tomada de decisão

1) Os advogados participam do processo de tomada de decisões?2) Os advogados são envolvidos no processo de faturamento, em particular aqueles que são responsáveis por contas de clientes e por realização de trabalhos para os clientes?
3) As sugestões de opiniões dos advogados são encorajadas?
4) Os advogados são informados sobre eventos e planejamentos relativos ao número de advogados e assistentes a serem contratados? Sobre a expansão do departamento ou contratações? Sobre questões novas importantes?"
O consultor alerta para o fato de que advogados têm um grande desejo de conhecer as razões por trás das decisões e de participar do processo de tomada de decisões. E tem mais uma recomendação: os advogados mais antigos devem levar em conta os antecedentes sociais, educacionais e econômicos da nova safra de advogados, porque eles mudaram. E descobrir como as mudanças vão refletir em suas atitudes, necessidades e expectativas, bem como na política de contratação.

Banca de advocacia só paga imposto sobre atividade fim

Utilizando a tese de que as receitas tributadas pelo PIS e pela Cofins são apenas as decorrentes da atividade principal da empresa, um escritório de advocacia gaúcho ganhou o direito de excluir da base de cálculo dos tributos o que fatura com o aluguel de imóveis próprios. Decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região reafirmou entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito e reconheceu que, como bancas só podem prestar serviços jurídicos, essa é a única fonte de renda sobre a qual incide o PIS e a Cofins, que tributam o faturamento. As informações são da revista Consultor Jurídico.

Em despacho monocrático, o desembargador federal Álvaro Eduardo Junqueira aceitou os argumentos do escritório Roberto Tessele da Silva Advogados Associados, com sede em Santo Ângelo (RS). "No caso vertente, em que a autora se dedica ao exercício da advocacia, não há como considerar os ingressos financeiros obtidos com as operações de locação de bens imóveis com o intuito de caracterizar o faturamento, de modo a impor a incidência das contribuições em comento", disse em decisão proferida no dia 28 de março.

Segundo o sócio Roberto Tessele, a banca aluga, há mais de cinco anos, dois imóveis no centro da cidade, que foram recebidos em pagamento por créditos de honorários advocatícios. De acordo com o presidente da seccional gaúcha da Ordem dos Advogados do Brasil, Cláudio Lamachia, não há qualquer restrição para escritórios de advocacia terem outras fontes de receita, como alugueis. "Se a principal atividade continuar sendo a advocacia, não existe problema", afirma.

O desembargador Álvaro Junqueira ainda permitiu que o escritório receba de volta o que recolheu nos últimos cinco anos a título das contribuições incidentes sobre os aluguéis. "Para as demais pessoas jurídicas e receitas sujeitas ao regime cumulativo, para as quais não se aplicam as disposições das Leis 10.637/02 e 10.833/03, remanesce o direito à restituição ou compensação dos valores que foram ou continuam sendo pagos a maior." Como o escritório é optante pelo regime do Lucro Presumido, as regras aplicáveis são as da Lei Complementar 70/1991.

Empresas sujeitas ao regime não-cumulativo, optantes pelo regime do Lucro Real — que não é o caso do escritório —, só poderiam pedir de volta valores pagos até cinco anos antes da entrada em vigor das medidas provisórias que deram origem às Leis 10.637/2002, no caso do PIS, e 10.833/2003, no da Cofins. As normas ampliaram a base de cálculo das contribuições, incluindo todas as receitas auferidas, mas permitindo o desconto dos gastos com insumos. Antes dessas leis, a Receita confiava no previsto pela Lei 9.718/1998, que alargou a base de cálculo do PIS e da Cofins, porém, sem fundamento constitucional, no entendimento do Supremo Tribunal Federal.

Em 2005, o STF pacificou a matéria ao julgar em conjunto os Recursos Extraordinários 346.084, 357.950, 358.273 e 390.840. Os ministros declararam inconstitucional o parágrafo 1º do artigo 3º da Lei 9.718/1998, que ampliou a base de cálculo do PIS e da Cofins para abarcar toda e qualquer receita das empresas. Em 2008, reafirmou a posição ao julgar questão de ordem no RE 585.235, admitido sob o rito da repercussão geral — o que deu à decisão caráter geral.

Contra a decisão monocrática do TRF-4 favorável ao Roberto Tessele da Silva Advogados Associados, a Procuradoria da Fazenda Nacional ajuizou Agravo de Instrumento, mas não teve sucesso. Em maio, a 1ª Turma da corte confirmou a posição.

O fisco agora tenta uma reversão da decisão no STF. No último dia 6 de julho, a PFN ajuizou Recurso Extraordinário, que aguarda para ser apreciado pela Presidência do TRF-4. Para Roberto Tessele, no entanto, a iniciativa é inútil. "A chance dessa matéria ser julgada de novo é ínfima", diz, lembrando que a Corte Suprema já analisou a questão sob o rito da repercussão geral.

Antes, a PFN já havia obtido decisão favorável na primeira instância. Entre as alegações estava a de que, como o Estatuto da Advocacia proíbe que os escritórios exerçam atividade diversa da advocacia, a locação de imóveis não é fonte de rendimento legítima e, portanto, o escritório não poderia questionar a cobrança na Justiça. O juiz federal Fábio Vitório Mattielo, da Vara Federal Cível de Santo Ângelo, não tomou conhecimento do argumento. "Considerando que a parte-ré considerou a sociedade-autora parte legítima para o pagamento das contribuições (…), autuando-a, entendo que não há falar em ilegitimidade da autora para pleitear o afastamento da cobrança", disse na sentença.

Mas a boa notícia para a banca terminou aí. "A jurisprudência pátria tem entendido que as receitas oriundas da locação de imóveis equiparam-se àquelas oriundas de vendas de mercadorias e de prestação de serviços para fins de incidência do PIS e da Cofins", afirmou o juiz, mesmo levando em consideração a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo da Lei 9.718 feita pelo Supremo. "Embora a atividade principal da empresa-autora seja a prestação de serviços advocatícios, os valores recebidos a título de aluguel de imóvel de sua propriedade fazem parte de seu faturamento."

Apelação Cível 2007.71.05.005400-3
Clique aqui para ler a decisão monocrática.Clique aqui para ler a decisão no AgravoClique aqui para ler a sentença.

Para advogados, aumento no valor de multas é exagero

Advogados têm visto com maus olhos a decisão do Ministério da Justiça de aumentar o valor das multas às empresas por desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor. Os valores praticamente dobraram. A punição máxima, que era de R$ 3,19 milhões, passa a ser de R$ 6 milhões. A mínima passa de R$ 212,82 para R$ 400,00.

Especialista no assunto, a advogada Juliana Christovam João, do escritóro Rayes & Fagundes Advogados, acredita que a decisão causará impacto no provisionamento das companhias, especialmente daquelas dos ramos de telefonia, bancos e administradoras de cartões de crédito. "A majoração das multas pode culminar em condenações exorbitantes, ultrapassando os limites da razoabilidade e proporcionalidade. O escopo, que deveria ser educativo, passa a ser punitivo", afirma. Segundo ela, serão necessários recursos para afastar ou reduzir as penalidades.

A alteração do valor das multas foi publicada no Diário Oficial da União do último dia 13 de julho. Na publicação, o Ministério da Justiça lembra que as multas não haviam sofrido alteração desde a extinção da Unidade Fiscal de Referência (Ufir), em dezembro de 2000, que servia de base para o valor. A correção das multas passou a ter por base o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo - Especial (IPCA-e).

Para a advogada Andressa Barros Figueredo de Paiva, sócia do Fragata e Antunes Advogados, a adoção do índice que substituiu a UFIR está correta. A advogada, que é especialista em Direito do Consumidor e professora de Deontologia Jurídica, afirma que a maior dificuldade do órgão de defesa do consumidor em aplicar as multas está no risco de fazê-lo de forma desmedida e arbitrária.

“Em geral, o que se vê na aplicação das multas é apenas a condição econômica do fornecedor, esquecendo-se de levar em conta a vantagem auferida e mesmo a gravidade da infração”, diz Andressa. Apesar do rigor, a norma ocupa espaço deixado desde a entrada em vigor da lei consumerista no país. Até então, não havia sequer um decreto regulamentando o assunto de forma objetiva. 

O advogado Thiago Mahfuz Vezzi, especialista em Direito do Consumidor do escritório Salusse Marangoni Advogados, concorda. “A atual variação já permite o perfeito enquadramento de todas as empresas. O teto da multa já supera os R$ 3 milhões. Uma multa nesse valor é extremamente custosa para qualquer empresa”, protesta o especialista. Ele criticou o fato de o aumento ter vindo de uma norma do Ministério da Justiça, e não da lei, o que pode derrubar possíveis punições na Justiça. 

Segundo a advogada Carolina Xavier, do escritório Arruda Alvim e Thereza Alvim Advocacia, as multas aplicadas pelos órgãos têm alcançado, quase que invariavelmente, o limite máximo previsto na legislação. "Essa conduta, aliada à falta de ponderação sobre o caso concreto e as circunstâncias que o permeiam, está acarretando a propositura de diversas demandas, cuja tônica dominante é a inobservância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade", relata. 

Ela afirma que o Judiciário paulista tem reduzido as multas com frequência. "A quase duplicação do teto máximo da multa, ao invés de servir de instrumento inibitório para novas práticas ofensivas, apenas servirá de argumento de reforço para a diminuição de seu valor pelo Judiciário."

Do lado das empresas, as medidas para evitar punições incluem a velha cartilha exigida pelos órgãos de proteção ao consumidor: ampliar os métodos de fiscalização e identificar a causa raiz das multas. "E, é claro, recorrer das multas incabíveis e excessivas", completa Juliana João. (Conjur)

domingo, 24 de julho de 2011

Número de presos cresce mais do que a criminalidade

A população carcerária mais que dobrou nos últimos dez anos. Saiu de 233 mil presos, em 2000, para 496 mil no ano passado – um salto de 113%. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, só entre 2000 e 2005, a quantidade de encarcerados subiu para 361 mil, um aumento de 55%. Enquanto isso, o índice de homicídios país passou de 28,9 em cada grupo de 100 mil habitantes, em 2003, para 25,6, em 2008 (dado mais recente). Nos últimos anos, a taxa tem permanecido em torno de 26 mortes em cada 100 mil habitantes. As informações são da revista Consultor Jurídico, em matéria do repórter Pedro Canário, com dados da Ong Fórum Brasileiro de Segurança Pública

Várias explicações podem ser encontradas para se entender o fenômeno do crescimento da população carcerária. Os números mostram que o endurecimento na punição de certos crimes levou mais gente às prisões. O exemplo mais claro é o do tráfico de drogas. Enquanto em 2005 havia 31 mil presos por tráfico, nacional e internacional, em 2010, o número era de 100 mil presos. Na comparação com os 91 mil presos de 2009, a alta de 2010 foi de  mais de 10%.

Movimento semelhante é visto nos números de presos por homicídio. Em dezembro de 2010 o Depen contabilizou 49 mil, 88% acima das 26 mil pessoas registradas no mesmo mês de 2005. Em 2009, os presos por homicídio eram 50,6 mil. Ou seja, no último ano contabilizado, registrou-se uma pequena queda no número de homicidas presos. O número de homicídios, contudo, manteve-se estável. Segundo dados do  Fórum Brasileiro de Segurança Pública foram registrados 43 mil homicídios em 2005 e em 2008.

Só que o maior rigor das leis não pode ser considerado uma vitória na luta contra o crime. Para o advogado Augusto de Arruda Botelho, vice-presidente do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, os dados do Depen mostram os “equívocos da política de combate à criminalidade”. Em vez de tentar resolver os crimes e apurar suas causas, procura-se a repressão, “que invariavelmente passa pelo aumento da pena”, diz.

Esse aumento, para Botelho, é sempre em resposta ao clamor popular, ou a alguma observação feita pelo Legislativo: “Aumentou o tráfico de drogas no país? Aumenta-se a pena para traficantes; se a sociedade ficou mais violenta, aumentam a pena para homicídios, sem que se pense nas causas da criminalidade”. Historicamente, para ele, o Estado brasileiro exerce a função de repressor, sem se preocupar com o verdadeiro problema — o que leva as pessoas ao crime.

No caso do tráfico de drogas, Botelho acredita que o problema está no entendimento do que é porte para venda e para uso. O critério da lei, segundo ele, é flexível demais, o que gera inúmeros flagrantes e, consequentemente, prisões provisórias.

Outro ponto apontado pelo advogado é que o tráfico acabou taxado como crime em que não cabe liberdade provisória, sem que se analisem os casos concretos - para ele, a liberdade condicional é aplicada às pessoas, e não aos crimes. Cada caso é um caso.

O encarceramento provisório, que engloba os flagrantes e as medidas cautelares, de fato se multiplicou nos últimos anos. Em 2010, eram 165 mil presos provisórios, cerca de 40% do total de presos no ano. Desde 2005, quando os provisórios eram 91 mil, o aumento foi de 80%.

Botelho aponta três fatores para explicar o aumento do número de presos por homicídio: o aumento da criminalidade, a melhoria na qualidade das investigações policiais, que resultam em mais prisões, e, principalmente uma mudanças na mentalidade dos magistrados.

Os juízes, diz o advogado, passaram a considerar a prisão provisória necessária em casos de assassinato. Em vez de exceção, aplicada apenas quando necessário, o encarceramento processual virou regra. Na opinião de Botelho, é um “reflexo absurdo da banalização da prisão preventiva no país”. “Infelizmente alguns juízes a transformaram em antecipação de pena. Esqueceram da presunção de inocência”.

O secretário da Administração Penitenciária de São Paulo, Lourival Gomes, reconheceu à Folha de S. Paulo que a ação repressora do Estado é mais eficiente hoje do que há dez anos, o que também contribui para o aumento da população carcerária: "Como as polícias Militar e Civil têm combatido mais os criminosos no estado, é natural que mais pessoas sejam presas". Em editorial, o mesmo jornal relacionou a queda nos índices de criminalidade no estado - maio registrou 9,77 homícios por 100 mil habitantes, o menor índice de violência social conhecido - com o crescimento da população nas prisões - a cada dia os presídios paulistas recebem 37 novos presos. E creditou essa façanha à atuação da polícia. 

A situação paulista, que pode ser extrapolada para todo país, revela o lado perverso do fenômeno: a superlotação e desumanização dos presídios. O presídio de Hortolândia, no interior, construído para receber 2.600 presos, abriga hoje 6.100; o Cadeião de Pinheiros, na Capital, também guarda 5.200 detentos num espaço feito para 2.050. O estado tem 11 presídios em construção.

A média nacional da falta de espaço, embora um pouco melhor, também é dramática: faltam nas cadeias 198 mil vagas para os cerca de 500 mil presos. Mesmo assim, o sistema se dá ao luxo de manter na cadeia 50 mil presos de forma ilegal - gente que já deveria ter deixado a cadeia ou que sequer deveria ter sido presa. Outros 50 mil, que deveriam estar nas prisões, continuam nos xadrezes das delegacias.

O diretor-geral do Depen, Augusto Rossini, afirma que se a polícia continuar prendendo, a Justiça, quando couber, vai continuar condenando. No cargo desde 26 de janeiro, Rossini estabeleceu como meta encontrar soluções, não culpados. E adianta que o governo federal já liberou R$ 871 milhões aos estados para que sejam construídas 31 mil vagas em presídios.

O déficit carcerário, segundo ele, “já foi colocado de forma clara como prioridade do governo”. Exemplo disso, cita, são as novas leis de remissão de pena, em que para cada três dias de trabalho ou estudo, reduz-se um dia da pena. Há ainda a nova Lei das Cautelares, que prevê medidas cautelares alternativas à prisão, numa tentativa de diminuir o altíssimo índice de presos provisórios.
Entretanto, ele não defende maior leniência do sistema penal, e sim estudar outras formas de punição que não passem necessariamente pela prisão. Ele corrobora a visão de Augusto Botelho, de que é preciso combater as causas que levam à criminalidade, e não apenas reprimir os ilícitos. Não adianta mexer em apenas uma ponta do problema.

Na conta do professor Fernando Salla, sociólogo do Núcleo de Estudos de Violência da USP, “de forma geral”, quando tem muita gente presa, é porque algo não vai bem. “É um ônus da democracia muito pouco discutido.”


Salla defende a criação de boas políticas sociais em “áreas sensíveis”, como ações relacionadas à inserção no mercado de trabalho, distribuição de renda e investimento em educação. Na opinião do sociólogo, o Brasil importou a cultura americana, “extremamente repressora e conservadora”, de combate à criminalidade. A política de tolerância zero ao crime, que determina a punição por mais insignificante que seja o crime, fez explodir o número de flagrantes e a quantidade de pessoas presas.

Segundo Salla, a política de “tolerância zero” ao crime nos Estados Unidos foi acompanhada de uma ação social correspondente. Foram mapeadas áreas de grande exclusão, altos índices de desemprego e baixa escolaridade e uma série de medidas foram tomadas. As autoridades brasileiras de Segurança Pública tentam emular o rigor penal da tolerância zero, mas esquecem da segunda parte do modelo americano. 

Com 2,2 milhões de presos, os Estados Unidos têm a maior população carcerária do mundo, segundo o Escritório de Estatísticas da Justiça dos EUA (BJS, na sigla em inglês). Se contados os que estão em liberdade condicional ou em prisão cautelar, o número pula para 7,2 milhões, ou 3,1% dos adultos do país. Lá, a superlotação prisional é igual ou pior que aqui.

Em outros países desenvolvidos, principalmente na Europa, o encarceramento não deixa de ser um problema, mas é tratado de outra forma. O exemplo citado pelo professor Fernando Salla é o do tráfico de drogas: na maioria dos países do continente, ele não é considerado um crime violento, hediondo, então não resulta em flagrante e raramente em prisão – há penas alternativas. Na França, segundo o sociólogo, demorou dez anos para que a população carcerária crescesse 10%.

A quantidade de crimes registrados não acompanha a evolução dos níveis de encarceramento no Brasil. Em 2005, segundo dados oficiais compilados pela ONG Fórum Brasileiro de Segurança Pública, foram cometidos 43 mil homicídios. Em 2008, o número manteve-se praticamente estável, em 43,6 mil assassinatos, alta de 1%. O número de presos por homicídio, no mesmo período, porém, aumentou 74%, passando de 26,2 mil para 45,8 mil encarcerados.

Situação diversa é vista com o tráfico de drogas. Entre 2008 e 2009, o número de ocorrências subiu 21%, de 54 mil para 66 mil. No mesmo período, o número de presos subiu 17%, de 77 mil para 91 mil.

Por outro lado, enquanto os investimentos federais em segurança pública, que incluem formação de policiais, construção de presídios e infraestrutura de segurança, foram de R$ 3,4 bilhões em 2009, o aporte da União em ações de reintegração social foi de R$ 1,5 bilhão no mesmo ano. Entre 2008 e 2009, a alta nos gastos com ações sociais foi de 7%. Com segurança, houve queda de 4%.

A opção pelo enfoque nos pequenos ilícitos, na opinião do sociólogo Fernando Salla, acontece por causa de uma “seletividade da Justiça”. “É mais fácil ir à Cracolândia [região no centro de São Paulo onde há alto consumo de crack] e prender dez vendedores do que fazer uma investigação que chegue a grandes distribuidores. Se você fizer uma pesquisa, vai ver que não há grandes traficantes presos, só os pequenos, presos em flagrante”, provoca.

Segundo ele, a resposta do Estado à criminalidade é “muito mais política do que técnica”. Reprime-se o consumo de crack, os “aviõezinhos” de cocaína nas favelas e os vendedores de mercadorias contrabandeadas. Mas não se investigam as rotas de tráfico ou como os contrabandistas conseguem suas mercadorias. Para Salla, todo o sistema judicial é feito para prender os pequenos criminosos. Desde o flagrante, ao depoimento do policial, às condições de defesa de pessoas mais pobres.