domingo, 26 de junho de 2011

Novo CPP garante contraditório e ampla defesa no inquérito, dizem especialistas

O PLS (Projeto de Lei do Senado) 156 que poderá substituir o atual CPP (Código de Processo Penal) consolida o direito de o réu ter acesso aos autos, apresentar sua versão para o fato e ser ouvido durante a investigação. É o que afirmam os juristas ao analisarem o projeto em trâmite na Câmara dos Deputados.

No primeiro painel, sobre a garantia do contraditório e da ampla defesa no inquérito policial, a advogada Marta Saad, presidente do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), destacou o fato de novo CPP ser o primeiro código criminal feito no país sob um regime democrático. “O direito a ampla defesa no inquérito policial pode parecer consolidado agora, mas por muitos anos foi um direito negado. Isso mudou após a edição da súmula 14 pelo STF, que garantiu o acesso aos autos na fase de investigação”, lembrou.

De acordo com a advogada, o novo CPP prevê que o investigado tenha acesso aos autos, salvo as diligências em andamento. Para ela, essa é uma mudança positiva já que o acusado tem o direito de tentar evitar que o inquérito se torne uma ação penal. Mas, ela critica o termo empregado. “Diligência é muito amplo e pode se tornar letra morta. O que precisa estar oculto são as medidas cautelares em andamento contra o investigado”, diz.

Outra inovação é a possibilidade de o defensor ter acesso aos autos, mesmo quando o eles forem remetidos para o Ministério Público. A advogada disse ainda, que é comum o juiz conceder o direito de o defensor ter acesso aos documentos produzidos contra o cliente, mas nem sempre é permitida a cópia.

Obrigações e direitos
Marta destaca que o projeto explicita quem é o investigado, diferente do atual. “O novo CPP permite entender o marco que garante os direitos decorrentes do indiciamento”, alega. Pela nova regra, o investigado precisa ser comunicado a participar da investigação. Segundo a redação do artigo 9º, ele é considerado investigado a partir do primeiro ato nesse sentido, e assim, se valer de uma série de direitos, diz a advogada.

Uma mudança que agradou os juristas é o trecho que determina o sigilo do conteúdo do inquérito. O novo texto também prevê punição para o servidor que vazar as informações. “A ideia é preservar a intimidade dos investigados, vítimas, testemunhas e outros envolvidos”, explica Marta. Ela veda a exposição dessas pessoas aos meios de comunicação.

O professor de Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da USP e procurador de Justiça aposentado, Antonio Scarance, também acredita que o sigilo e preservação do investigado é “ótimo”. Ele cita como exemplo a convocação de pessoas colaborarem em CPIs (Comissão de Inquérito Parlamentar) e os alvos de interceptações telefônicas. “Sai na imprensa que a pessoa foi convocada para ser ouvida, mas a população entende que ele é culpado”, diz.

O professor diz que a publicidade irrestrita dos autos era vista como uma garantia, mas atualmente serve para condenar o acusado socialmente, antes mesmo da condenação na Justiça. Entretanto, Scarance alerta para a falta de regulamentação neste ponto do CPP. Para ele, ainda é preciso entender quem terá acesso a esses documentos interna e externamente.

Produção de provas
Uma das mudanças apresentadas pelo novo CPP é a possibilidade de a defesa também produzir provas para incluir no processo. Será permitido colher depoimentos, por exemplo. Marta diz que a inovação “não é algo da nossa cultura jurídica e precisa de uma regulamentação própria em lei”. Ela diz que há também um desestímulo para a prática porque os advogados vão responder civil e criminalmente pelos abusos que possam cometer.

Scarance também defende uma regulamentação para a investigação defensiva. Mas, considera que a inserção dessa possibilidade no texto do novo CPP é um avanço, ainda que pareça “tímido”. “Na Itália é permitida essa produção de provas. Lá, existem sites que ensinam os advogados a produzir esse material”, comenta.

Para o professor, no Brasil, existe um fator cultural que contribui para dificultar essa produção de provas pela defesa. “Há uma desconfiança sobre quase tudo que o advogado faz”, lamenta.

Marta aponta também que pela nova regra a pessoa poderá ser investigada por no máximo dois anos, mas existe a ressalva que torna a duração da apuração sem prazo definido. “Ela será prorrogada pelo período necessário quando o fato for de difícil elucidação”, explica.

Juiz das garantias
Para evitar abusos na investigação e a manter a isenção do juiz que irá julgar o acusado, o novo CPP criou o juiz das garantias. Hoje, o juiz que controla os atos do inquérito atua no Dipo (Departamento de Inquéritos Policiais e Corregedoria da Polícia Judiciária). Mas, pela nova redação do CPP, haverá um juiz específico para cuidar da fase de investigação e outro para julgar em todo território nacional.

“Às vezes, o juiz, de ofício, toma medidas e estimula a polícia a pedir outras medidas cautelares”, alerta Scarance.

Marta diz que o juiz das garantias é uma característica do sistema acusatório e que ele terá competência para cuidar de qualquer processo, exceto os de menor potencial lesivo. “A competência do juiz acaba quando o Ministério Público faz a denúncia”, explica. Ele será o responsável por cuidar da investigação e monitorar os atos de investigação policiais que podem ser mais invasiva.

Mudança de cultura
O ministro do STF, Gilmar Mendes abriu o evento Ciclo de Reformas, promovido pela Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) em parceria com a EDB (Escola de Direito do Brasil), o CESA (Centro de Estudos das Sociedades de Advogados) e IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público). “O Brasil discute intensamente a reforma do Judiciário. Há uma grande preocupação, uma angústia, eu diria, com a segurança, com os direitos humanos e tudo isso se liga ao Código de Processo Penal. Porém, não basta mudar a lei, é preciso mudar a cultura. É preciso fazer com que o Estado funcione e que a Justiça criminal dê respostas num tempo adequado”, disse Mendes, em um rápido pronunciamento.

O criminalista Tales Castelo Branco ressaltou que o CPP em vigor foi feito durante o regime direitista de Getúlio Vargas, “repleto de deficiências e lacunas".

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