quarta-feira, 30 de março de 2011

'STF não pode legislar', diz jurista

O Supremo Tribunal Federal (STF) não pode agir como legislador e sua missão se restringe a interpretar leis. A opinião é do professor Ives Gandra da Silva Martins, que propôs uma reflexão sobre decisões da Suprema Corte nas quais os ministros atuaram como legisladores ao acrescentar dispositivos na legislação existente. "Prefiro o pior dos congressos ao melhor STF para fazer leis", afirmou o professor.

Para explicar sua tese, Ives Gandra citou dois exemplos:

Primeiro falou do julgamento sobre fidelidade partidária feito pelo STF em 2007. Ao analisar mandados de segurança ajuizados por PSDB, DEM e PPS, que pediam de volta os mandatos de 23 deputados infiéis, o Supremo decidiu, por oito votos a três, que o mandato parlamentar é do partido, não do político eleito.

Com a decisão, o Supremo tomou do Congresso a função de legislar sobre questões partidárias e decidiu que qualquer vereador, deputado estadual ou federal que tenha mudado de partido após 27 de março de 2007 pode perder seu mandato.

"O Artigo 17 da Constituição estabelece que a fidelidade partidária só deve existir se for uma exigência estatutária do partido", explicou o professor. De acordo com o Parágrafo 2º do Artigo 17 da Constituição, "é assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento". A norma ressalta que os estatutos dos partidos devem estabelecer as normas de disciplina e fidelidade partidária.

O outro exemplo citado por Ives Gandra é o julgamento da ação protocolada em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde (CNTS) para permitir a interrupção da gravidez em caso de anencefalia fetal, que deve ocorrer em breve. Hoje, o aborto de fetos anencéfalos é considerado crime porque o Artigo 128 do Código Penal só permite o aborto em duas hipóteses: quando não há outro meio de salvar a vida da gestante (chamado de terapêutico) ou se a gravidez for resultado de estupro (o aborto sentimental).

O STF, porém, pode acrescentar uma terceira possibilidade ao Código Penal e permitir a interrupção da gravidez de fetos sem cérebro. O ministro Marco Aurélio Mello, relator do processo, chegou a dar uma liminar reconhecendo "o direito constitucional da gestante de submeterse à operação terapêutica de parto de fetos anencéfalos, a partir de laudo médico atestando a deformidade, a anomalia que atingiu o feto", que foi cassada pelo plenário do Supremo.

"O STF não pode criar uma terceira categoria com o argumento de que há um vácuo legislativo.

O Poder Judiciário é interpretador de leis", ressaltou Ives Gandra. Segundo ele, "por pior que seja o Congresso Nacional, os parlamentares são representantes do povo e escolhidos pela população, enquanto os ministros do STF, por mais qualidades que tenham, são escolhidos por um homem só".
"Se a sociedade quer leis melhores, deve eleger melhores parlamentares", concluiu.

Também participou do evento o ex-senador Bernardo Cabral, que foi relator da Assembleia Nacional Constituinte, responsável pela elaboração da Constituição Federal de 1988.

Atualmente, ele é presidente da Comissão Permanente de Direito Constitucional do IAB e falou sobre o processo constituinte de 1987-1988. Na palestra, Cabral fez uma reconstrução histórica da formulação dos outros textos constitucionais brasileiros e disse que "todos esses momentos foram de ruptura da ordem institucional, desde a Constituição de 1822, quando Dom Pedro I proclamou a independência do País, até a de 1988, quando saíamos do regime ditatorial." Segundo Cabral, a Constituição é fruto de 332 sessões feitas em 309 dias. O texto recebeu 62.160 emendas, das quais 40.623 foram analisadas por ele.

"Toda vez que vejo alguém criticar nosso trabalho (da Assembleia Constituinte) penso que é porque não conhecem o texto", disse. "A Constituição de 1988 é a expressa constatação do respeito aos direitos humanos. Todas as garantias fundamentais foram alargadas na Constituição", afirmou. (Jornal do Commercio)

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