sexta-feira, 14 de outubro de 2011

"Você sabe (realmente) com quem está falando?"

No momento em que o Judiciário está na berlinda, com a discussão sobre os poderes do Conselho Nacional de Justiça para fiscalizar e punir magistrados, é, no mínimo, lamentável --como definiu um magistrado-- o episódio em que um juiz foi acusado de dirigir sem habilitação, embriaguez ao volante, desacato, desobediência, ameaça, difamação e injúria.

Esses crimes, segundo o delegado da Polícia Civil de SP Frederico Costa Miguel, foram cometidos após uma briga de trânsito, domingo à noite, em São Bernardo do Campo (SP), pelo juiz Francisco Orlando de Souza, revela o repórter André Camarante em reportagem publicada na Folha.com.

O magistrado atua como auxiliar dos desembargadores da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e agora é alvo de uma apuração da Corregedoria (órgão fiscalizador).

As acusações do delegado contra o magistrado estão no boletim de ocorrência nº 13.913/2011, do 1º Distrito Policial de São Bernardo do Campo, no ABC paulista.

Eis um trecho relatado pelo repórter:

Segundo o delegado, o juiz levantou o dedo em sua direção e gritou várias vezes: "Você não grita assim comigo, não!"

"Imediatamente, o averiguado [juiz] subiu as escadas encarando o delegado de polícia, que imaginou que iria até mesmo ser agredido pelo averiguado. O averiguado já se aproximou desta autoridade de maneira totalmente descontrolada e, com o dedo em riste, mais uma vez gritou com esta autoridade:'você não grita assim comigo, não! Eu sou um juiz, eu sou um juiz!' (sic), escreveu o delegado Costa Miguel, que pediu para o magistrado se identificar como tal.

"E aí, você vai me prender?", foi, de acordo com o delegado, o que o juiz disse quando ele pediu para se identificar. "Sim, o senhor está preso por desacato!", respondeu o delegado.

Por lei, apenas o presidente do Tribunal de Justiça pode prender em flagrante um juiz. Quando deu voz de prisão ao magistrado, o delegado o fez na modalidade "prisão captura".

"O delegado já tinha dado voz de prisão ao autor [juiz] que, percebendo que a situação não seria resolvida com uma simples e abjeta carteirada, tentou se evadir por diversas vezes", relatou o delegado Costa Miguel.

Souza disse a Camarante que não estava embriagado quando se envolveu na briga de trânsito. "Infelizmente, o delegado deu uma proporção muito maior a tudo isso. Não ofendi ninguém. Mas eles [policiais] me trataram com rispidez", disse.

Segundo Camarante, Souza é juiz há 26 anos, considerado por alguns de seus companheiros de profissão como um magistrado firme e um exemplo a ser seguido, isso por ter começado a militar na Justiça como escrevente de fórum e, depois de muito batalhar, ter se tornado magistrado.

Incidentes entre policiais e magistrados acontecem, mas raramente com essa gravidade. Membros do Ministério Público também já se envolveram em episódios semelhantes, com prepotência e abuso de autoridade.

Com personagens em polos opostos, um fato constrangedor ocorreu no Rio de Janeiro, num dos últimos carnavais. Um juiz federal que vestia bermudas e usava  chapeu de palha foi abordado na rua por policiais que estavam em uma viatura da Polícia Militar. Foi tratado como um marginal suspeito.

Ao dizer que era magistrado, ele foi desacatado pelos militares e levado à delegacia.

Confirmada a identidade do juiz, um dos policiais "amarelou" e pediu desculpas, sugerindo que esquecessem o incidente. O magistrado não contemporizou e advertiu o militar de que ele iria responder pelas arbitrariedades cometidas.

Uma mesma pergunta caberia nesses casos: Se esses agentes públicos se comportam com tal prepotência e desrespeito lidando com autoridades, como não devem tratar cidadãos comuns?

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