quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A menina que virou símbolo de desgaste da ditadura


Guinaldo Nicolaewsky



Belo Horizonte, setembro de 1979. O general João Baptista Figueiredo – último presidente do regime militar – fazia uma viagem com cara de campanha.  Tomou cafezinho em um bar no centro, fez discurso. Estava tudo indo conforme o planejado até que uma menina de apenas cinco anos surpreendeu o presidente-general. Ela rejeitou o cumprimento do general.

A foto imediatamente virou símbolo da luta contra a ditadura. Foi publicada em vários jornais e revistas, no Brasil e no exterior.

“Aquilo ali lavou a alma da nação. Pra nós soou como uma vingança nacional. É a magia da criança. Se fosse um adulto não teria, nunca teria o mesmo valor”, disse o ex-secretário nacional de Direitos Humanos, Nilmário Miranda.

Foi a foto mais famosa do fotógrafo Guinaldo Nicolaevsky. Mas ele morreu em 2008 sem conhecer a garota. “Ele ficou um pouco frustrado de não ter conhecido a garota. Saber quem era ela, como ela estava”, diz a viúva de Guinaldo, Sílvia Nicolaevsky.

Os amigos também tentaram encontrar a menina. Fizeram até campanha em blogs na Internet meses antes da morte de Guinaldo.

“Minha ideia era mais fazer uma homenagem ao Guinaldo. Pela carreira brilhante que ele teve”, diz o fotografo Ricardo Medeiros.

A iniciativa virou notícia e reascendeu a curiosidade em torno da foto. A foto foi feita no Palácio da Liberdade em Belo Horizonte e 31 anos depois, em junho passado,  o Jornal da Globo localizou a garota da foto.
 
Rachel Clemens Coelho cresceu em Belo Horizonte, se formou em comércio exterior, fez pós-graduação no Instituto Tecnológico da Aeronáutica e morou e trabalhou em vários países, teve uma filha de nome Clara, que hoje está com 13 anos, e nunca teria descoberto essa história toda se não fosse por um e-mail.

“Minha mãe recebeu um powerpoint das 100 fotos que marcaram o século. Eu sempre tive curiosidade de ver essa foto. Pelo Google eu vi que estavam me procurando tem um tempão, não tinha a menor ideia”, conta.

Perguntada sobre como ela se encontrou com o general Figueiredo, Rachel lembra que, na noite anterior, o pai dela comentou no jantar que iria almoçar com o presidente.

“Aí acordei no outro dia de manhã: mãe, eu quero falar com o presidente”. Ela insistiu tanto que a mãe a levou ao Palácio da Liberdade.

Quando ela chegou lá:

“Virei pra ele: você sabia que você vai almoçar com meu pai hoje? Aí todo mundo ficava assim: ´dá a mão pra ele, dá a mão pra ele´. Eu detestei. Detesto que me mandem fazer as coisas. Não dei a mão porque eu não queria dar a mão pra ele, eu queria dar um recado pra ele”.

Depois do encontro, Rachel foi correndo para a escola e o que ficou foi a imagem da menina que recusou a mão do general-presidente. Para quem admira a foto desde aquela época, a história de Rachel não diminui a importância da imagem.

“Ela pode dizer que não era nada disso. A imagem é muito mais significativa de um momento político que o Brasil vivia”, fala o cineasta Silvio Tendler.

"A situação está tão séria que cumprimentar um político hoje é o de menos - diz Rachel. O difícil é ter que conviver com tanta coisa errada e injusta que você vê por aí. E não é só com políticos".
(Jornal da Globo)

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