quarta-feira, 20 de julho de 2011

Pegadinhas da OAB

O número impressiona: 90 faculdades de Direito não tiveram um único aluno aprovado no último exame da Ordem dos Advogados do Brasil. O fato ganhou manchetes e foi exaustivamente tratado por especialistas. Todos têm razão: falta qualificação no ensino e o MEC poderia ser mais criterioso na permissão de criação de novas faculdades. No entanto, um outro número tão impressionante quanto pareceu receber menos atenção dos que debateram o tema. Dos inscritos, que somaram 106.825, apenas 11,8% foram aprovados. Ou seja, aproximadamente 9 em cada 10 bacharéis em Direito submetidos ao exame foram reprovados.

Agora começou o ciclo de provas de 2011. Foram feitas algumas mudanças nos testes aplicados a partir desta semana, conforme informou o coordenador nacional do exame, Marcus Vinícius Furtado Coelho. A prova segue com duas fases, realizadas com intervalo de um mês. Ambas as etapas são exaustivas. Escrevo do ponto de vista de quem fez a última prova, e passou. Muito se fala sobre o alto grau de dificuldade, embora não pareça exatamente difícil. Ela aborda questões normalmente tratadas em sala de aula, mas o que chama a atenção de quem faz a prova é uma soma de excesso de rigor técnico (e não de conteúdo) na correção e clássicas pegadinhas.

Para citar um exemplo de excesso de rigor no gabarito (e são muitos), ao escreverem a peça processual exigida na segunda fase, os alunos devem datar e localizar, como se faz em qualquer petição. Porém, se um estudante carioca distraído escreve “Rio de Janeiro, 18 de julho de 2011”, perde os pontos relativos ao item. Isso ocorre porque o edital exige que se escrevam “Local e data”. O rigor teria advindo de casos de corrupção. No entanto, os conhecimentos de um estudante devem mesmo ser avaliados por este grau de rigor técnico?

Outro ponto é a quantidade de armadilhas presentes tanto na fase objetiva quanto na discursiva. Esta semana, Coelho, o coordenador, afirmou ao site Terra que na prova agora não haverá pegadinhas. Tomara, porque elas são excessivas. Tal estratégia faz sentido quando utilizada em um concurso, por ser um modo tradicional de eliminar candidatos desavisados, mas quando aplicada num exame de proficiência profissional parece desleal.

Nas universidades, nos cursos preparatórios e mesmo entre os estagiários de Direito, não é raro que excelentes alunos que não tenham passado no primeiro exame da Ordem sejam encontrados. Dos inscritos no mais recente exame (2010.3), cerca de 95 mil terão que pagar novamente a taxa de R$200 para se submeter a uma nova prova. Considerada a principal escola de Direito do Rio, a Uerj teve 56,64% de aprovação. Proporcionalmente, foi a universidade carioca que mais aprovou. Mas é difícil acreditar que quase metade dos bacharéis formados pela Uerj (43,36%) não tenha capacidade para advogar.

O mercado do exame da OAB está aquecido e envolve cursos preparatórios, editoras especializadas e a própria OAB. Sai caro fazer uma prova da OAB para boa parte dos estudantes. É preciso contabilizar que para fazer o teste, além do valor da inscrição, os estudantes investem em compilações de questões comentadas e cursinhos que ensinam o Direito num vapt-vupt cheio de macetes para ter sucesso.

Muito se questiona sobre o lucro que a OAB teria com a prova ou mesmo se estaria praticando reserva de mercado. A instituição nega lucrar e se defende afirmando que ganharia muito mais se aumentasse indiscriminadamente seu quadro com ampla aprovação na prova. Mas se o objetivo não é lucrar, por que cobrar R$ 200 de inscrição? É certo que há um custo para promovê-la, mas a realização da prova parece ser de interesse exclusivo da Ordem.

O objetivo do exame não é selecionar candidatos para um cargo. A proposta é avaliar os conhecimentos e permitir que os mais qualificados possam exercer a advocacia — o que é louvável. No entanto, se a prova tivesse menos armadilhas e uma correção mais justa poderia se aproximar da situação real das faculdades de Direito. Ou seja, mais bacharéis igualmente bem preparados seriam aprovados e, possivelmente, as 90 faculdades que não aprovaram ninguém continuariam unânimes na reprovação. O coordenador do exame afirmou que as provas atuais foram elaboradas por uma nova banca que concorda com a ideia de que o exame “é apenas um teste de conhecimento mínimo para entrar na carreira” e que não se pode exigir dos recém-formados o conhecimento de um advogado experiente ou de um doutor em Direito. A conferir.
(O Globo)

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