terça-feira, 12 de julho de 2011

"Juízes não são proprietários do Judiciário"

Há dois anos, a OAB carioca tomou uma atitude ao mesmo tempo lógica e revolucionária. Para diminuir o desconforto dos seus filiados devido ao calor intenso do verão fluminense, permitiu que eles dispensassem o paletó nas audiências nos fóruns. O uniforme, no entanto, ainda mantinha a gravata, respeitando as formalidades protocolares.

De nada adiantou. Em junho, o CNJ, ao julgar o direito de os tribunais darem pitacos na indumentária dos advogados, concordou com os juízes que deixar o paletó em casa era uma falta de respeito ao Judiciário -  a despeito de a lei federal que disciplina a advocacia reservar apenas à OAB definir esses critérios.

O assunto é um dos temas de longa entrevista concedida por Damous aos jornalistaa Alessandro Cristo, Maurício Cardoso e Lilian Matsuura, da revista Consultor Jurídico. Para o presidente da OAB carioca, o caso reflete o desprezo que a magistratura tem por quem está do outro lado do balcão. “Eles saem de casa com ar-condicionado dos automóveis pagos pelo dinheiro público e vão para seus gabinetes, que no caso dos desembargadores, são verdadeiros latifúndios”, diz.

Ele afirma que a decisão do CNJ no caso do paletó & gravata só teve esse desfecho devido a uma rasteira tanto do relator do caso quanto do presidente do órgão, ministro Cezar Peluso.

Segundo Damous, o desembargador Nelson Thomaz Braga, do TRT do Rio, relator do caso, colocou “no bloco de julgamentos céleres uma questão que o Plenário do CNJ nunca havia apreciado”. O procedimento célere é reservado aos casos em que o colegiado já tenha se manifestado. A manobra só foi possível, segundo o advogado, porque o presidente do Conselho, ministro Cezar Peluso, comunicou ao representante da OAB que o assunto não seria julgado naquele dia.

Com viagem marcada, Miguel Cançado, diretor da Ordem, foi embora. E não viu o CNJ decidir que compete a cada tribunal regrar os trajes a serem usados em suas dependências.

A situação pode ser revertida no STF, onde a entidade deve contestar a decisão, mas a motivação para a postura depende de uma mudança de mentalidade, na opinião do presidente da seccional. “Os juízes acham que são proprietários do Judiciário. Mesmo os prédios mais novos no Rio de Janeiro não têm ar-condicionado central, apenas nos gabinetes dos senhores juízes”, critica na  entrevista.

Wadih Damous está há dois mandatos no comando da OAB-RJ, e não vai tentar um terceiro. Sua aspiração é a presidência nacional da Ordem, o que ele, no entanto, não confirma. “O Conselho Federal é algo que não se deve pleitear previamente, mas não se deve recusar”, desconversa. Mas admite pensar na hipótese. A eleição será em janeiro de 2013.

Leia parte da entrevista:

ConJur — Recentemente, o CNJ negou aos advogados o direito de dispensar paletó e gravata nos fóruns durante o verão. Como o caso chegou ao CNJ?

Wadih Damous Há uma demanda na advocacia relacionada ao calor que eu pensei existir só no Rio de Janeiro, mas consultando outras seccionais, soube que há em diversos estados. Nosso verão a cada ano está mais inclemente. Isso assola com mais intensidade em determinadas regiões. Vários advogados passam mal.

Quem milita na Zona Oeste do Rio ou na Baixada Fluminense tem sensação térmica de 50º. O caso que nos levou ao CNJ foi de uma juíza do Trabalho que se recusou a fazer a audiência porque o advogado, seguindo resolução da OAB, estava sem o paletó, mas com gravata. A juíza está, inclusive, processando o advogado por dano moral. Então levamos essa questão de facultar o uso de terno e gravata no verão. Mas há juízes que perdem o sono por causa disso. Eles dizem: “ah, mas nós vamos de terno e gravata, e não fazer o mesmo é falta de respeito”.

Sim, porque eles saem de casa com ar-condicionado dos automóveis pagos pelo dinheiro público e vão para seus gabinetes, que no caso dos desembargadores, são verdadeiros latifúndios. E a média da advocacia, que anda a pé, de ônibus, que rala o cotovelo no balcão dos cartórios, não pode sequer pedir para, durante o verão, que lhe seja facultado o uso apenas de calça social e camisa social. Ninguém está pedindo para ir de bermuda, de sunga ou de sandália de dedo.

E isso porque a Lei 8.906 diz expressamente que compete à OAB dispor sobre a indumentária dos advogados. E não há em nenhum regimento interno de qualquer tribunal brasileiro que preveja que nós tenhamos que entrar em local do Poder Judiciário trajando terno. Daqui a pouco vão estabelecer que é preciso usar peruca, como na época pré-revolucionária francesa.

Como foi o julgamento?

Foi o tal julgamento célere, em bloco. Colocam todos os processos em um saco só e julgam em dois minutos. Isso deveria acontecer para as chamadas causas repetitivas, em relação às quais o Plenário já se manifestou, apesar de ser um risco, porque, às vezes, pode haver uma peculiaridade qualquer em um dos processos.

Esta é uma prática para poupar trabalho, e não está prevista em lei. O que aconteceu com o pedido da OAB foi uma aberração. O relator, juiz do trabalho Nelson Thomaz Braga - que, aliás, veio do quinto constitucional da advocacia, mas não se lembra do dia em que bateu às portas da OAB pedindo para ser indicado —, na véspera, recebeu rispidamente os procuradores da OAB, quando estes foram debater com ele sobre o caso. Em seguida, cometeu uma aberração, colocando no bloco de julgamento célere uma questão que o Plenário do CNJ nunca havia apreciado. Os conselheiros Jorge Hélio e Marcelo Neves já disseram que não votariam daquela forma se soubessem o que estava sendo votado.

Os conselheiros não sabiam no que estavam votando?

É o julgamento em bloco, que se baseia na confiança no relator. O relator se valeu da confiança pactuada, e contou com o comportamento do senhor presidente da sessão, ministro Cezar Peluso, que disse ao presidente em exercício da OAB, Miguel Cançado, que aquele processo não entraria na pauta do dia. Miguel Cançado já havia dito que iria se manifestar na sessão sobre o processo. A OAB do Rio de Janeiro era a autora do pleito. O que estava em julgamento era um recurso nosso, porque o pedido inicial já havia sido arquivado pelo relator.

Dessa decisão, nós recorremos. Esse recurso é tido no CNJ como agravo, que não dá direito a sustentação oral. Mas a OAB tem a prerrogativa de falar durante a sessão. Ao ser informado que o caso não entraria em pauta, no entanto, Miguel Cançado foi embora. Segundo ele, houve até uma brincadeira: “Olha, não vá perder o seu avião, porque senão você vai deixar de ser Cançado com ‘ç’, para ser Cansado com ‘s’.” Meia hora depois, o assunto estava sendo julgado. Foi uma falta de respeito.

O que provocou a decisão do CNJ?

Naquela fatídica sessão, a pauta estava sobrecarregada com diversas demandas da magistratura, como sempre, ligadas ao aumento de vencimentos, auxílio-moradia, auxílio-alimentação, mais cargos. Algumas demandas são justas, outras não. Por que um juiz tem direito a auxílio-alimentação, a auxílio-moradia? São matérias que deveriam ser tratadas em lei e não em decisão administrativa do CNJ.

Além disso, os prédios do Judiciário são pensados para eles, juízes. Os estacionamentos são previstos, na sua maior parte, para a magistratura, e uma menor para os serventuários. Advogado, para eles, é adorno, estorvo, como se nosso trabalho fosse irrelevante, a despeito do artigo 133 da Constituição. O advogado que vai de carro tem que se virar para arrumar um estacionamento. Quando muito conseguimos negociar com as administrações dos tribunais, mas depende da boa vontade, que normalmente não existe. Os juízes acham que são proprietários do Judiciário. Mesmo os prédios mais novos no Rio de Janeiro não têm ar-condicionado central, apenas nos gabinetes dos senhores juízes.

Foi um mal entendido?

Não! O presidente do CNJ informou ao representante da OAB algo que não aconteceu. Isso é grave, mostra a falta de respeito com que tem sido tratada a Advocacia. A questão no CNJ, no nosso ponto de vista, não está encerrada. Vou sentar com o presidente Ophir Cavalcante, para conversarmos, porque não podemos deixar que a OAB seja tratada dessa forma. Na posse dos indicados pela OAB ao quinto constitucional do STJ, há algumas semanas, o presidente da OAB sequer foi chamado para a mesa. No discurso do dirigente do STJ saudando os novos ministros, sequer se mencionou que eram escolhidos pelo quinto.

Outros temas da entrevista:

* Quinto constitucional

* Férias de 60 dias dos magistrados

* Greves na magistratura

* Decisões monocráticas nos tribunais

* Qualidade do ensino jurídico.


Leia a íntegra da entrevista, diretamente na origem.

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