sábado, 23 de fevereiro de 2013

"Como vai a senhora, tia Eliana"?

O ministro Joaquim Barbosa tem outra missão espinhosa, desta vez como presidente do CNJ: acabar com o filhotismo, que ele considera "uma das práticas mais nefastas do Judiciário brasileiro". O objetivo é encontrar uma fórmula moralizadora para coibir o que ele considera uma das mais nocivas práticas ainda toleradas nos tribunais brasileiros - a advocacia de filhos, cônjuges e toda sorte de parentes de magistrados.

A atividade de familiares de magistrados, na avaliação de Barbosa, "fere o princípio do equilíbrio de forças que deve haver no processo judicial" e divide os advogados em duas classes: os que têm acesso privilegiado - podendo beneficiar clientes por causa disso - e os comuns, que não possuem os laços de sangue para favorecê-los.

"Filhos, mulheres, sobrinhos de juízes são muito acionados por seus clientes pelo fato de serem parentes. Não é pela qualidade técnica do seu trabalho. Sou visceralmente contra isso", disse Barbosa.

Tratado como tabu, o filhotismo nos tribunais já esteve na mira da ex-corregedora do órgão, a ministra Eliana Calmon. Ela não conseguiu encontrar uma solução para o problema durante os dois anos em que esteve no conselho, o que demonstra a complexidade do assunto. O próprio Barbosa, apesar de ser o comandante do Supremo, não escapará de constrangimentos.

O atual corregedor do CNJ, ministro Francisco Falcão, por exemplo, tem dois filhos que atuam como advogados em processos que tramitam no STJ, onde Falcão também trabalha. Ele é, portanto, um caso que se encaixa na prática condenada por Barbosa?

A questão não é tão simples assim. Filhos e parentes de magistrados que advogam não podem ser colocados em suspeição apenas pela certidão de nascimento. O lobby familiar existe, é restrito a uma minoria na Justiça brasileira e, por esse motivo, deve ser tratado com todo o cuidado, tanto que o próprio Barbosa ainda não revelou seus pianos para atacar o problema.

A ministra Eliana Calmon conta que os parentes-lobistas costumam agir com discrição na corte. Eles não advogam oficialmente nos processos, mas estão presentes quase diariamente nos corredores do tribunal: "Eles vendem a possibilidade de influenciar nos processos aqui dentro".

A ministra lembra que recentemente expulsou do gabinete o filho de um ex-colega já aposentado. "Ele não sabia nada da causa e veio com outro advogado me chamando de ´tia Eliana´".

Os filhos dos magistrados chamam atenção não só pela desenvoltura, mas também, segundo a ministra, pelos grandes clientes que conquistam - bancos, empreiteiras, empresas de telefonia - e pelo sucesso financeiro. "Os meninos aparecem de BMW, de Mercedes-Benz, morando em casas luxuosas. Eu sou juíza há 34 anos e penei para ter o meu apartamento", diz Eliana Calmon.

Nas últimas semanas, a revista Veja ouviu juristas de grandes bancas de Advocacia do país. Todos só aceitaram falar sob a condição do anonimato. O resultado mostra como pode ser complexa, ou até mesmo impossível, a missão de tentar resolver a questão.

Se, por um lado, a Advocacia de parentes pode comprometer o equilíbrio de forças nos julgamentos, por outro, um familiar de juiz não pode ter o seu direito de advogar limitado simplesmente pela suspeita de que será beneficiado.

A solução mais próxima para tentar reduzir o problema - todos os juristas ouvidos foram unânimes em dizer que não há uma solução definitiva - será conscientizar magistrados, advogados e os próprios clientes que contratam familiares a denunciar os abusos sempre que forem confrontados.

Mas, enquanto o assunto continuar sendo um tabu nos tribunais, a solução permanecerá no campo dos discursos.

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