segunda-feira, 26 de março de 2012

“Para o STJ sair da asfixia, basta mudar velhas práticas”


O Superior Tribunal de Justiça não precisa de mais ministros. Precisa de organização e de procedimentos que permitam racionalizar o tempo de trabalho dos 33 juízes que hoje compõem o tribunal. E para trazer racionalidade para a Corte, basta vontade de mudar velhas práticas. A opinião é do ministro Luis Felipe Salomão, que completará quatro anos com a toga do tribunal superior em junho, depois de uma longa carreira na magistratura fluminense.

A vontade de mudança deve de surgir de dentro para fora do tribunal. O primeiro passo é organizar o processo de distribuição e classificação dos recursos submetidos a julgamento pelo STJ, que giram na casa dos 300 mil casos por ano. “Hoje, a distribuição é anárquica e o trabalho e triagem dos recursos, um dos pontos vitais para atacar o volume cada vez maior de processos, é feita no gabinete dos ministros”, afirmou Salomão.

O ministro mostrou um estudo de 25 páginas que elaborou logo depois de o ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, ter enviado ao STJ a proposta de aumentar de 33 para 66 o número de ministros do tribunal. Proposta à qual o ministro se opõe radicalmente, ainda que respeitando a posição de Marco Aurélio, de quem é amigo pessoal de longa data.

“Quanto mais se aumenta o número de juízes de um tribunal que tem como incumbência constitucional unificar a jurisprudência sobre o Direito federal, pior. Corremos o risco de pulverizar a jurisprudência”, opina. Para ele, o remédio receitado pelo ministro do Supremo poderia matar o paciente. Salomão rechaça o argumento de que a rejeição ao aumento de ministros seria uma resistência em dividir poder.

Em seu estudo, o ministro elenca desde mudanças administrativas e regimentais que podem ser implantadas imediatamente pelo STJ, até propostas legislativas que dependem de aprovação do Congresso Nacional, como a criação da arguição de relevância (nos moldes da repercussão geral do Supremo) e da súmula impeditiva de recursos. Algumas das propostas estão sendo estudadas. Outras já foram aprovadas, como o mecanismo de repercussão. O presidente do STJ, Ari Pargendler, entregou a Proposta de Emenda à Constituição que cria o filtro ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na semana passada.

"O segredo para enfrentar os novos desafios do Poder Judiciário no milênio que se inicia é investir em gestão", costuma afirmar, em ênfase na expressão gestão. "Para atender aos anseios da nova sociedade, após o século em que houve a revolução da informação, o Judiciário tem que se redescobrir, reinventar", entende o ministro.

Salomão é um dos ministros com o gabinete mais organizado do tribunal. Por isso, o mais produtivo. Em 2011, o ministro julgou 16.318 recursos. Do total, 12.817 foram baixados. Na linguagem jurídica, significa que quase 13 mil processos deixaram o tribunal, que foram, de fato, solucionados. Para atingir essa produtividade, o ministro investiu pesado no setor de triagem do gabinete, que trabalha em três frentes.

Na primeira, são analisadas as questões de admissibilidade do recurso. Ou seja, se o processo é tempestivo, se o preparo está correto e outras questões formais. A segunda fase da triagem é por assunto, quando a equipe separa o processo de acordo com o tema e já procura precedentes nos quais o caso pode se encaixar. Nesta fase, também é verificado se a controvérsia já foi julgada pelo rito dos recursos repetitivos. Em caso afirmativo, o caso é decidido monocraticamente.

A terceira frente se encarrega de identificar os chamados processos de massa: quando dezenas ou centenas de recursos sobre o mesmo tema começam a chegar aos gabinetes. Quando se detecta a demanda de massa, o ministro dá prioridade ao seu julgamento para que se forme um precedente firme sobre o tema e se decidam os casos com mais rapidez e de forma idêntica. É assim que enfrenta o que costuma chamar de “avalanche de recursos”. Os casos restantes, mais intrincados e que envolvem teses jurídicas, vão para a pauta da 4ª Turma, que ele preside, ou da Seção de Direito Privado, que compõe.

Luis Felipe Salomão trata dos problemas do STJ e da Justiça com uma franqueza incomum. Reconhece todas as deficiências e contradições do sistema e os pontos fracos do Poder Judiciário. Compartilha, inclusive, da perplexidade de cidadãos diante de algumas decisões. Mas não perde a fé na toga e faz um diagnóstico que, se bem observado, pode fazer a Justiça sair do lugar.

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