segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Habeas corpus que tenta substituir recurso especial não pode ser conhecido

“Deve-se prestigiar a função constitucional excepcional do habeas corpus, evitando sua utilização indiscriminada, sob pena de desmoralizar o sistema ordinário de recursos.” O entendimento do ministro Gilson Dipp serviu de base para a 5ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça) negar-se a apreciar habeas corpus contra suposta violação de lei federal relativa a audiências criminais.

“Penso que tentar proteger os limites do habeas corpus é fazer respeitar sua credibilidade e funcionalidade, o que parece deva ser também uma importante missão deste Tribunal”, completou o relator.

“A questão posta neste habeas corpus é exemplar. O recurso especial, instrumento ordinariamente previsto no ordenamento jurídico para que esta Corte Superior analise eventual ofensa à legislação federal na condução da audiência de instrução e julgamento, aqui deliberadamente desdenhado, não pode ser substituído pelo habeas corpus, exceção que se liga necessariamente à violência, à coação, à ilegalidade ou ao abuso – circunstâncias que obviamente não constituem a regra, senão a exceção –, donde seu uso reclama naturalmente as restrições da exceção”, acrescentou.

O caso trata do interrogatório de réu que resultou em sua condenação a oito anos de reclusão em regime inicial fechado por tráfico de drogas, após ter sido preso em flagrante com 116 quilos de maconha. A nulidade apontada pela defesa decorreria da negativa, pelo juiz, de conversa em sala privativa entre o advogado e o acusado. Também se protestava quanto à realização da audiência do réu antes das testemunhas.

“A defesa não buscou o exame da irresignação em grau de cognição mais amplo, optando, por via oblíqua, utilizar-se da via estreita do writ, em vez do regime recursal reservado pelos mecanismos legais, previsto e estruturado racionalmente para alcançar os resultados que aqui se almejam”, criticou o ministro Dipp.

“O que pondero, sem pretender desmerecer a jurisprudência, é que seja a impetração compreendida dentro dos limites da racionalidade recursal preexistente e coexistente, para que não se perca a razão lógica e sistemática dos recursos ordinários e mesmo dos excepcionais por uma irrefletida banalização e vulgarização do habeas-corpus, hoje praticamente erigido em remédio para qualquer irresignação, no mais das vezes muito longe de qualquer alegação de violência ou coação contra a liberdade de locomoção”, sustentou o relator.

O ministro destacou também que oTJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) fundamentou adequadamente a decisão que negou o habeas corpus na origem. Segundo o TJ-SP, o juiz concedeu à defesa que conversasse com o réu em voz baixa, mas não a sós, na sala de audiência, por não existir no fórum local destinado à entrevista reservada.

O magistrado justificou a medida também pelas “várias e recentes” tentativas de fuga ocorridas na comarca, “com consequências desastrosas”. Foram observadas ainda as cautelas estabelecidas pelo juiz corregedor de presídios local, que não poderiam ser afrouxadas diante das circunstâncias.

Quanto à realização do interrogatório do réu antes das testemunhas, o ministro Gilson Dipp apontou que a questão não foi submetida pela defesa ao TJSP, o que impede sua apreciação pelo STJ em razão da impossibilidade de supressão de instância. O juiz justificou a medida com o argumento de que o delito em julgamento segue rito próprio e especial.

Em relação à vedação de conversa reservada, o relator afirmou que a defesa não protestou contra as alegadas nulidades na audiência de instrução e julgamento logo após sua ocorrência, como exige o Código de Processo Penal.

Por isso, a questão estaria preclusa, por não ter sido alegada no momento adequado. Além disso, segundo o ministro, a defesa não conseguiu demonstrar que o réu tenha sofrido algum prejuízo efetivo pelo fato de ele e seu advogado precisarem conversar em voz baixa na própria sala de audiências, devido à ausência de sala especial no fórum.

O habeas corpus não foi conhecido “por consistir utilização inadequada da garantia constitucional, em substituição aos recursos ordinariamente previstos nas leis processuais”. A ministra Laurita Vaz ficou vencida, por entender que o habeas corpus, por se tratar de ação, deveria ser negado em vez de não conhecido. Para ela, essa condição seria reservada aos recursos.
(Última Instância)

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