"Uma avaliação subjetiva idiossincrática." É dessa forma que o criminalista Alberto Zacharias Toron entende o modus operandi
dos pedidos de suspensão condicional do processo apresentados pelo
Ministério Público. De olho nisso, o advogado apresentou o problema ao
deputado federal João Campos (PSDB-GO), que transformou a questão no Projeto de Lei 1.189, de 2011.
Típica
dos ritos sumaríssimos dos Juizados Especiais Criminais, a suspensão
condicional do processo prevê que, antes do início da persecução penal, o
acusado, por meio de transação processual e sem discutir a sua
responsabilidade no caso, se submeta ao cumprimento de determinadas
condições, elencadas na Lei 9.099, de 1995. A norma regula o funcionamento dos Juizados Especiais Cíveis e também do Jecrim.
Hoje,
é o promotor ou o procurador de Justiça que possui a exclusividade no
oferecimento da proposta em conjunto com a apresentação da denúncia.
Nascida com a missão de impedir a prisão de quem não precisar ser preso,
atingindo aqueles que cometeram crimes de menor potencial ofensivo,
cuja pena mínima cominada não ultrapasse um ano, quando o acusado não
for reincidente em crime doloso e não esteja sendo processado por outro
crime, a suspensão condicional do processo depende, hoje, do cumprimento
de requisitos objetivos e subjetivos. Esses últimos serão avaliados
pelo parquet.
É esse ponto que o projeto de lei quer
mudar, conferindo também ao juiz o poder de, de ofício, aplicar a
suspensão, assim como acontece com o sursis penal. Para isso,
pretende acrescentar o artigo 89-A à lei, citando a possibilidade. O
deputado autor da proposta justifica: “Diante dessa liberdade de agir, o
Ministério Público, muitas vezes, tem deixado de apresentar a proposta
de suspensão condicional do processo, mesmo nos casos em que estão
presentes todos os requisitos objetivos e subjetivos do benefício em
tela.”
Toron afirma que a atual lógica é descabida. “Com todo o
respeito, isso é bobagem, porque apequena o grande instituto da
suspensão condicional do processo”, declarou.
A tese de que a
suspensão condicional do processo é, sim, um direito subjetivo do
acusado, e não mera faculdade do Ministério Público em ofertar ao réu, é
defendida por outros criminalistas. É o caso, por exemplo, de Guilherme Batochio, que disse ter “sempre” defendido a ideia nesse sentido.
“A
recusa do MP em propô-la quando o acusado preenche os requisitos
autorizadores da concessão do benefício representa a violação de um seu
direito e, por isso, traduz arbítrio. Não diria que é comum a recusa,
mas ela ocorre com alguma frequência”, conta.
O criminalista Paulo José Iasz de Morais
diz que o não oferecimento desse benefício vem se tornando uma prática
comum. “Há casos em que, tendo mais de um acusado, o MP pede o benefício
para um e não para outro, levando em conta os graus de envolvimento”,
explica o advogado.
“É necessário”, acredita, “que o instituto
seja estabelecido de forma homogênea. Deve ser dado tratamento igual
para pessoas iguais, desde que atendidos os requisitos objetivos”, diz.
Até agora, o que se tem contra essa titularidade é o artigo 28 do Código de Processo Penal, segundo o qual “se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento do inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender”.
Há também uma súmula do Supremo Tribunal
Federal, de número 696, que trata do tema. Segundo o enunciado,
“reunidos os pressupostos legais permissivos da suspensão condicional do
processo, mas se recusando o promotor de Justiça a propô-la, o juiz,
dissentindo, remeterá a questão ao procurador-geral, aplicando-se por
analogia o artigo 28 do Código de Processo Penal”.
Mas, para Iasz
de Morais, a comparação é descabida, uma vez que o dispositivo fala
sobre inquérito criminal. O mesmo entendimento é compartilhado pelo
deputado federal: “Essa construção jurisprudencial, contudo, afigura-se
bastante forçada, visto que o artigo 28, do Código de Processo Penal,
destina-se à revisão do pedido de arquivamento do inquérito policial.”
Marco Aurélio Florêncio Filho, professor de Direito Penal da Universidade Presbiteriana Mackenzie, explica que a concessão ex offício
pelo juiz não é admitida pelo Superior Tribunal de Justiça, “sob a
alegação de que o juiz não é parte no processo”. “Não concordo com o
entendimento de que o magistrado não possa conceder a suspensão
condicional do processo diante da recusa do membro do Ministério Público
em oferecê-la. E muito menos que referida atitude do magistrado feriria
o sistema acusatório. Isto porque esse é um direito subjetivo do réu,
preenchidos os pressupostos autorizadores da suspensão condicional do
processo, a concessão do benefício”, aponta.
O professor conta também que “não haveria concessão ex officio
do benefício pelo juiz, quando a requisição, em vez de requerida pelo
membro do Ministério Público, fosse requisitada pela defesa”. Ele cita
Aury Lopes Junior, que em Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional (Lumen
Juris, 2010), para quem “o imputado postula o reconhecimento de um
direito (suspensão condicional do processo) que lhe está sendo negado
pelo Ministério Público, e o juiz decide, mediante invocação. O papel do
juiz aqui é o de garantidor da máxima eficácia do sistema de direitos
do réu, ou seja, sua verdadeira missão constitucional”.
Em artigo sobre o assunto publicado no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o juiz Alfredo José Marinho Neto,
que atuou na 2ª Vara Criminal de Belford Roxo, afirma que “tratando-se a
suspensão condicional do processo de um direito subjetivo do réu, que
pode ensejar até a nulidade do processo se não lhe for dada oportunidade
para gozá-lo, é dever do magistrado oferecer essa oportunidade ao réu
na hipótese de recusa injustificada ou improcedente por parte do órgão
de acusação
Na suspensão condicional do processo, a culpabilidade, os antecedentes e a conduta são levadas em conta, de modo a autorizar a concessão do benefício. Depois de aceita pelo acusado, o juiz homologa o caso, suspendendo a ação penal de dois a quatro anos. Também fica interrompida a prescrição. Ao fim desse lapso temporal, fica extinta a punibilidade do agente. Pode-se, no futuro, inclusive, conceder o benefício novamente.
Dentre as regras que o acusado vai cumprir estão, por
exemplo, a proibição de frequentar determinados lugares e de se ausentar
da comarca, sem autorização judicial. Ele terá, ainda, de comparecer
mensalmente a juízo, para informar e justificar suas atividades. (Conjur)
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