Um
relatório do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf)
revela que 3.426 magistrados e servidores do Judiciário fizeram
movimentações consideradas "atípicas" no valor de R$ 855 milhões entre
2000 e 2010. Cerca de R$ 400 milhões desse total envolvem apenas quatro
pessoas no Rio, São Paulo e Bahia. As informações estão em um documento
de 13 páginas que foi encaminhado ao Supremo
Tribunal Federal pela corregedora do Conselho Nacional de Justiça,
ministra Eliana Calmon. A reportagem é da Folha Online.
No
documento, são citadas algumas situações consideradas suspeitas, como o
fato de três pessoas, duas delas vinculadas ao Tribunal da Justiça
Militar de São Paulo e uma do Tribunal de Justiça da Bahia, terem
movimentado R$ 116,5 milhões em um único ano, 2008. Segundo o relatório,
em 2002, quando "uma pessoa relacionada ao Tribunal Regional do
Trabalho da 1ª Região", no Rio de Janeiro, movimentou R$ 282,9 milhões.
Ainda
segundo o relatório, 81,7% das comunicações consideradas atípicas estão
concentradas no TRT do Rio, Tribunal de Justiça da Bahia e o Tribunal
de Justiça Militar de São Paulo. O relatório não aponta nomes nem faz
distinção entre servidores e juízes.
Movimentações atípicas não
significam que houve crime ou irregularidade, mas apenas que aquela
operação financeira fugiu aos padrões da norma bancária e do sistema
nacional de prevenção à lavagem de dinheiro. O Coaf apurou uma relação
de 216 mil servidores do Poder Judiciário. Deste universo, 5.160 pessoas
figuraram em 18.437 comunicações de operações financeiras encaminhadas
ao Coaf por diversos setores econômicos, como bancos e cartórios de
registro de imóveis.
As comunicações representaram R$ 9,48
bilhões, entre 2000 e novembro de 2010. O Coaf considerou que a maioria
deste valor tem explicação plausível, como empréstimos efetuados ou
pagos. Em 2010, R$ 34,2 milhões integraram operações consideradas
suspeitas.
Em entrevista à Agência Brasil, a ministra
Eliana Calmon afirmou que as investigações sobre movimentações
financeiras atípicas no Tribunal de Justiça de São Paulo, estopim do
imbróglio envolvendo associação de juízes e o Conselho Nacional de
Justiça, não foram direcionadas por relatório do Coaf.
Desde o
início da disputa entre o Conselho Nacional de Justiça e os magistrados
paulistas, a corregedora vem sendo acusada de usar dados sigilosos do
órgão financeiro para fazer uma devassa no estado.
“O relatório do
Coaf apontava apenas gráficos com informações gerais de cada estado,
mostrando onde havia maior concentração de movimentações fora do normal,
sem dar nomes nem números de CPF”, explicou a ministra. De acordo com
ela, o Coaf só fornece relatórios detalhados ao CNJ quando há processo
instalado contra um magistrado específico.
Disputa interna - O relatório do Coaf fez com que o órgão entrasse na linha de
frente no conflito entre juízes e a corregedoria do CNJ. Em julho de
2010, ainda na gestão do ministro Gilson Dipp, a corregedoria pediu ao
Coaf um levantamento sobre as movimentações financeiras atípicas do
Judiciário. Foi delimitado um período de busca entre 2006 e 2010 para
evitar possíveis prescrições. Também foram excluídos os tribunais
superiores. O relatório chegou em fevereiro de 2011, quando Eliana
Calmon já havia assumido o posto.
Em entrevista à revista Consultor Jurídico,
o presidente do Conselho, Antônio Gustavo Rodrigues, afirmou que o
envio de movimentações financeiras (com nomes e valores) à Polícia
Federal ou ao Ministério Público não é quebra de sigilo. “Não temos
acesso às contas bancárias ou aos extratos, só aos comunicados que nos
são enviados [pelas instituições financeiras]”, diz Rodrigues.A defesa vem após declarações do ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio de que o Coaf “tem um encontro jurisdicional marcado” com o tribunal este ano. O presidente do órgão disse à revista Consultor Jurídico que “se for provado que o que fazemos [no Conselho] é inconstitucional, simplesmente fecharemos o Coaf e vamos fazer outra coisa”. O ministro havia dito, ainda que é inconcebível que dados bancários de um cidadão sejam acessados por um órgão do Ministério da Fazenda que os repassa a outros órgãos administrativos. "Como fica a reserva do Judiciário e a garantia de que a suspensão do sigilo só se implementa com ordem judicial?", perguntou o ministro, em entrevista para o Roda Viva, da TV Cultura. Para ele, "a atuação do Coaf não se coaduna com a ordem constitucional".
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