"Existe
um certo misoneísmo no meio jurídico. Mas, essencialmente, o juiz é um
aplicador da lei, enquanto o advogado é um criador. Por isso, o advogado
está mais aberto às inovações do Judiciário." Assim entende o
presidente eleito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Newton De Lucca, primeiro representante do quinto constitucional a ocupar a cadeira da presidência do Tribunal.
Para
o presidente, a plena informatização do tribunal é um passo fundamental
na luta contra a morosidade do Poder Judiciário. Newton De Lucca ainda
entende que a maior pedra no sapato do Judiciário é o próprio Poder
Público, que por conta da má administração e prestação de serviços,
acaba judicializando demais temas como, por exemplo, a Previdência
Social.
Avesso às soluções mágicas para os problemas do
Judiciário, Newton De Lucca prefere falar em aperfeiçoamento dia a dia,
passo a passo, por meio de reestruturação administrativa, conquista da
autonomia financeira, aumento do número de juízes, criação de novos
TRFs, entre outras medidas.
Newton De Lucca é professor de Direito Comercial da Uninove e da USP, instituição pela qual é Doutor em Direito Comercial. Está no tribunal desde 1996, e antes de assumir o comando do TRF-3 passou pelas três seções do tribunal. Leva para a presidência 15
anos de magistratura, 25 de advocacia e mais de 30 de docência, por
vontade dos 27 dos 38 desembargadores que votaram na última eleição,
realizada no dia 16 de dezembro. Desde 2005 é vice-presidente do Instituto de Derecho Privado Latinoamericano.
Leia a entrevista que o presidente do TRF-3, Newton de Lucca, concedeu à ConJur.
ConJur
— O senhor é o primeiro presidente oriundo do quinto constitucional a
assumir a presidência do TRF-3. O que isso representa para o Tribunal?
Newton De Lucca — Acredito que um presidente que veio do quinto
está mais sensível às questões do Judiciário que envolvem o advogado, o
que não quer dizer favorecimento. O presidente deve gerir um tribunal
de forma que ele preste o melhor atendimento jurisdicional possível à
população, e deve administrá-lo objetivando que os servidores, juízes,
advogados, Ministério Público e demais agente da Justiça possam
desenvolver o seu trabalho da melhor maneira possível. Vejo um certo
misoneísmo no meio jurídico, que é refratário às inovações.
ConJur — Então o senhor acredita que, em linhas gerais, um presidente juiz é mais conservador que um presidente advogado?
Newton De Lucca — Não necessariamente. Veja: Um juiz é
essencialmente um aplicador do Direito, enquanto o advogado um criador
do Direito, pois precisa criar teses a todo o momento. De modo que, o
advogado tende a possuir uma visão mais aberta, voltada para a
construção de soluções, o que torna o seu espírito menos refratário. No
caso do processo eletrônico, por exemplo, o advogado tende a encarar
isto de maneira mais empolgada que o juiz, até porque este também pensa
pelo aspecto da segurança, e com toda razão. Mas precisamos ter a
coragem para inovar as coisas, senão nós nunca sairemos do lugar onde
estamos.
ConJur — Já que estamos falando de inovações, quais são os planos do senhor para o TRF-3?
Newton De Lucca — Meu plano principal é a informatização do
tribunal. Acredito que se tem algo que os tribunais podem fazer dentro
da competência que lhes é atribuída, é modernizar-se cada vez mais. Essa
é a grande alternativa para acelerar os trabalhos do Poder Judiciário. É
claro que nós precisaríamos de várias outras medidas, que ao meu ver,
não dependem do presidente do Tribunal. Aliás, "o que é preciso para
melhorar o Poder Judiciário no país?" Adoraria responder a esta
pergunta.
ConJur — Então, o que é preciso?
Newton De Lucca — Primeiro, que o Executivo deixe de transferir
funções que são de sua competência para o Judiciário. Não posso falar
pela situação na Justiça estadual, pois a conheço pouco, mas com relação
à federal, se o INSS tivesse o mínimo de condições de razoabilidade no
seu trabalho, nós teriamos 80% menos processos. Não tenho a menor dúvida
de que, pelo menos na Justiça federal, o Poder Público brasileiro é o
maior responsável pelo congestionamento.
ConJur — Quando
falamos de transferência de função do Executivo para o Judiciário,
muitas vezes falamos de políticas públicas, aquelas não realizadas pelo
outro poder e que acabam tornando-se demandas judiciais. Questiona-se a
legitimidade do Judiciário para agir nestes casos. Como equalizar este
conflito?
Newton De Lucca — Equalização do conflito é um termo bem
apropriado, haja vista que, embora uma determinada questão não seja
originariamente do Poder Judiciário, uma vez que se tornou uma demanda
judicial e está na mesa de um juiz, ele terá que decidir. Uma boa saída
seria a conciliação, o que também ajudaria a combater a morosidade.
ConJur
— De acordo com dados do CNJ, este é o ponto que mais incomoda a
população quando o assunto é Poder Judiciário. Além da informatização e
da conciliação o que mais pode ser feito para diminuir a morosidade?
Newton De Lucca — A relação número de habitantes x juízes aqui
no Brasil é desfavorável. Precisamos aumentar o número de juízes. Não
vamos nos comparar com a Alemanha onde esta relação é três vezes melhor
que a nossa, mas perdemos até para vizinhos como a Argentina, e perdemos
feio. O Judiciário deve ter recursos financeiros para se modernizar,
mas a chave do cofre não esta conosco. A Constituição diz enfaticamente
que os poderes da República são independentes e harmônicos, mas nós, que
conhecemos um pouco da história do Brasil, sabemos que eles nunca foram
nem independentes e muito menos harmônicos.
ConJur — O senhor também acredita que a autonomia financeira melhoraria substancialmente a situação do Judiciário?
Newton De Lucca — Nenhuma solução resolverá todos os problemas
do Judiciário, mas claro que podem melhorar. No Brasil nós temos a mania
de tentarmos encontrar soluções mágicas. Isso não é possível. Mas a
situação do Judiciário é resultado da defasagem de informatização,
judicialização de questões originariamente do Executivo, falta de
autonomia financeira, entre outras questões. Portanto, a situação será
melhor à medida que cada um destes pontos for atacado. Por exemplo, se
reestruturarmos melhor a Previdência, a situação do Judiciário
certamente vai melhorar, e se informatizarmos mais o tribunal, também.
Mas tudo fica na retórica. Vejo muita gente falar “eu vou solucionar”.
São sempre soluções mágicas, por isso não se resolve nada.
ConJur — Em que pé está a informatização do TRF-3?
Newton De Lucca —Como
não tomei posse não estou a par dos números, mas percebo que há espaço
para avanços. Na unidade da Justiça estadual, que fica localizada na
Freguesia do Ó (SP), por exemplo, o advogado chega com uma petição e lá
ela é digitalizada. Isso não é um processo eletrônico, é um processo
digitalizado, há diferenças. Um processo eletrônico tende a acelerar as
coisas. Eu passava muito tempo assinando despachos e acórdãos em meu
gabinete, às vezes horas. Hoje, com a assinatura digital com
criptografia assimétrica, em segundos assino centenas. Não quero fazer
apologia ao processo eletrônico, mas a informatização é uma realidade
que facilita a vida de advogados, magistrados e partes, e deve ser
incorporada por todo o Judiciário.
ConJur — Além da informatização quais as outras prioridades da sua gestão?
Newton De Lucca — Uma reforma administrativa. Acho que tem mais
gente do que deveria na área meio, exercendo funções de duvidosa
utilidade, ou não com aquela utilidade desejável para acelerar a
prestação jurisdicional. Quero mais gente dentro dos gabinetes. São os
gabinetes que tem de julgar os processos.
ConJur — Por falar em celeridade, o senhor concorda com a PEC da Bengala?
Newton De Lucca — É um tema muito apaixonante. Acredito que o
grande problema que está aí é a questão de abrir caminho para o jovem,
porque ninguém tem dúvida que aos 70 anos de idade, no atual estágio da
medicina, muitas pessoas têm pleno vigor intelectual. Existem vários
exemplos de pessoas que contribuíram muito com 70, 80, 90 anos. Prefiro
que a PEC seja aprovada.
ConJur — Caso o projeto
recém-aprovado no CJF que pretende aumentar o número de desembargadores
nos TRFs (no TRF-3 subiria para 97) seja aprovado, os novos juízes serão
incorporados às turmas já existentes ou serão criadas novas?
Newton De Lucca — Primeiramente, claro que eu sou a favor do
aumento de juízes, mas esta proposta pretende aumentar em um número que
dificilmente acontecerá, até porque implicaria em aumento significativo
dos custos. Mas se 97 não for aprovado, 70, 60 já ajudaria muito. A
gente tem que dar um jeito de desafogar a 3ª Seção, que é a mais afogada
de todas, por causa do mau funcionamento da Previdência Social. Eu
recebo quase 800 processos por mês de distribuição. Poderíamos fazer uma
redivisão dos temas da 3ª Seção e aumentar o número de juízes. Além
disso, a 3ª Seção é a única com quatro turmas. Poderíamos aumentar a
quantidade de turmas das outras seções, de modo que a 1ª e a 2ª ficasse
com quatro também.
ConJur — Qual a sua posição com relação à proposta de se criar uma Seção Criminal na corte?
Newton De Lucca — Sou favorável. É uma área complicadíssima.
ConJur
— O poder de correição do CNJ está na pauta do dia do Judiciário, da
imprensa, a população discute nas ruas. Como esse tema é visto aqui na
Justiça federal?
Newton De Lucca — Minha avó costumava dizer que "a diferença
entre o remédio e o veneno é a dose". Existe verdade quando se fala em
corporativismo das corregedorias regionais, que tendem a tornar impunes
os maus juízes. Acredito que em parte, sim, em parte não. Eu era diretor
da Escola de Magistratura quando tive que analisar um processo contra
um colega. Naquela ocasião o juiz foi afastado das funções por 16 votos a
zero. Então, não posso dizer que as corregedorias não funcionam, mas
não posso ser ingênuo a ponto de afirmar que sempre se pune quem deva
ser punido. Deve-se procurar um equilíbrio entre as coisas. Respeitar a
autonomia das corregedorias e avocar os processos quando houver suspeita
de que o papel não está sendo bem cumprido.
ConJur — Até que ponto a criação de novos TRFs pode melhorar a prestação dos serviços jurisdicionais?
Newton De Lucca — É uma boa medida. Embora não resolva tudo,
ajuda. Isso porque melhora aquela relação entre o número de habitantes x
número de juízes a qual já me referi. Aqui na 3ª Região estamos muito
sobrecarregados. Não entendo essa junção de São Paulo com Mato Grosso do
Sul em um único tribunal. Não que eu esteja fazendo pouco caso do
estado do Mato Grosso do Sul, mas acho que São Paulo já é um gigantismo à
parte.
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