A decisão do Tribunal de Contas da União, considerando regular um
contrato da agência DNA Propaganda, do empresário Marcos Valério, com o
Banco do Brasil é certeira na pontaria, pois atinge um dos pontos
centrais da denúncia do mensalão; é momentosa, ao ocorrer às vésperas do
julgamento da ação penal, e controvertida, por introduzir dúvidas de
ordem técnica e jurídica e questionamentos sobre os interesses políticos
envolvidos.
É certeira porque diz respeito a uma das principais suspeitas de
ilícito, conforme assinala o ministro Joaquim Barbosa em seu relatório:
“No julgamento desta ação penal, serão analisados apenas os supostos
desvios de recursos da Câmara dos Deputados e do Banco do Brasil”.
É momentosa porque recoloca a questão do tempo sob dois ângulos: a)
parece confirmar, mais uma vez, que a morosidade dos processos dificulta
a realização da justiça; b) resta ver se o STF aceitará que um contrato
firmado em 2003 e já encerrado pode ser considerado regular com base
numa lei aprovada pelo Congresso em 2010.
O ingrediente político surge com o fato de que a decisão do TCU foi baseada em voto da ministra Ana Arraes (na foto),
que é mãe do governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), aliado do
governo. Ela foi empossada no TCU em outubro do ano passado.
“A praga de nomear políticos para o Tribunal de Contas da União
sempre dá o que falar — e aconteceu de novo”, comenta, em seu blog, na “Veja“, o jornalista Ricardo Setti.
“Vejam que absurdo: a poucos dias do início do julgamento do
mensalão, ministra do TCU mãe de governador aliado do PT livra a cara de
dois réus do mensalão em acusação importante”, diz Setti [ele se refere
a Marcos Valério e ao ex-diretor de marketing do Banco do Brasil,
Henrique Pizzolato].
O blogueiro Reinaldo Azevedo, da mesma revista, vai na mesma linha:
“Ana Arraes demonstra que não foi nomeada por acaso e que Lula sabia bem
o que estava fazendo quando entrou com tudo na sua campanha”.
O Ministério Público Federal sustenta que a agência de Valério se
apropriou ilegalmente de R$ 2,9 milhões durante a execução do contrato
com o BB e usou o dinheiro para financiar o mensalão. Os recursos são
associados ao chamado bônus de volume, comissões recebidas dos meios de
comunicação que veicularam anúncios do banco.
A defesa de Valério sustenta que a retenção dessas comissões pelas agências sempre foi praxe no mercado publicitário.
O contrato da DNA com o Banco do Brasil previa expressamente o
repasse do bônus ao banco. Mas a ministra considerou em seu voto uma lei
aprovada pelo Congresso em 2010, que autoriza a retenção do bônus de
volume pelas agências de propaganda.
Segundo o jornal “O Globo“, o entendimento de Ana Arraes, acompanhado pelo plenário, contraria parecer da área técnica e do Ministério Público do TCU.
O advogado Marcelo Leonardo, que defende Marcos Valério no STF, disse à Folha
ter “certeza” de que a decisão do TCU favorecerá seu cliente e afirmou
que estuda a possibilidade de pedir sua inclusão no processo.
“Nós já sustentávamos o que foi decidido agora pelo TCU”, disse Leonardo.
Segundo a denúncia da Procuradoria-Geral da República, recursos
públicos foram repassados às agências DNA Propaganda e SMP&B, de
Marcos Valério, através dos contratos com a Câmara dos Deputados e com o
Banco do Brasil.
Esses recursos teriam sido repassados de modo antecipado ou sem a
prestação integral dos serviços e “esquentados” por meio de empréstimos
simulados (ideologicamente falsos).
Em novembro de 2009, o ministro Joaquim Barbosa mandou o Instituto de
Criminalística da Polícia Federal realizar perícias em documentos
contábeis apresentados pela defesa de Marcos Valério.
Segundo avaliação de um magistrado especializado em julgar crimes
financeiros e de lavagem de dinheiro, havia a suspeita de que esses
documentos teriam sido usados para justificar operações financeiras que
não tinham lastro real (uma das etapas da lavagem). Ou seja, seria o
trânsito de dinheiro de origem espúria.
Joaquim Barbosa também pediu que fossem requisitadas ao Banco do
Brasil cópias de notas fiscais e a descrição dos serviços prestados pela
agência de Marcos Valério, com a indicação de quem atestou a real
prestação desses serviços.
A diligência pretendia comprovar se os serviços foram efetivamente
realizados. A suposição é que a resposta seria negativa e que as
operações teriam sido contabilizadas para dar aparência de legalidade.
Essas providências de Barbosa posteriormente sofreram seguidas
tentativas de impugnação pelos advogados de Marcos Valério. Os
defensores do publicitário questionaram a capacidade dos peritos da PF e
alegaram que eles desconheciam o sistema de bonificações nos negócios
da área de publicidade.
Detalhe relevante: essas diligências contestadas foram determinadas
pelo próprio relator –e não requeridas pelo Procurador-Geral da
República, responsável pela acusação.
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