O sentimento do "já ganhei" é tão nocivo para o
advogado que atua no Tribunal do Júri, como o é para qualquer atleta ou
equipe esportiva que participa de uma competição. A autopersuasão — isto
é, a capacidade de ver os fatos só pelo lado positivo — é favorável até
certo ponto, apenas. Ela não pode sufocar a capacidade do advogado de
avaliar os pontos fracos de seu caso e os pontos fortes da outra parte.
Mesmo quando todos os deuses parecem estar de seu lado. "A autopersuasão
é um dos sete pecados capitais que advogados podem cometer", diz o
advogado e professor de Direito Jim McElhaney, articulista do Jornal da
ABA (American Bar Association), há 25 anos.
Clientes
prestam um grande serviço a advogados — e a suas próprias causas, quando
têm a capacidade de apontar falhas ou problemas em seus casos, além de
todos os argumentos que têm para a sua defesa. Mas, os clientes tendem a
não fazer isso, quando suas posições parecem "autodefensáveis". E
muitos advogados também não, porque, segundo McElhaney, "se apaixonam
pelo caso". No entanto, em outro escritório, um advogado adversário pode
estar trabalhando diligentemente na busca de pontos fracos e pontos
fortes do caso, sob as perspectivas do demandante e do demandado.
McElhaney
conta o caso de dois advogados muito competentes, craques na área de
patentes, mas que nunca haviam atuado em um Tribunal do Júri (casos de
violação de patente podem ir ao júri nos EUA). O caso poderia render
milhões de dólares em danos a seu cliente.
Eles concluíram que a vitória
no Tribunal do Júri era favas contadas, com base em dois fundamentos.
Primeiro, o simples relato dos fatos era irrefutável. Bastava isso para
demonstrar que a empresa acusada roubou a ideia de seu cliente e criou
mecanismos para acobertar o delito. Segundo, a credibilidade de seu
cliente estava acima de qualquer suspeita.
Não havia nada para sair
errado. Mas saiu. Primeiro, porque os jurados não conheciam a alta
credibilidade do cliente dos advogados. Segundo porque ficaram
conhecendo, no julgamento, a CEO da empresa acusada: uma mulher bonita,
simpática, agradável, inteligente, articulada e persuasiva. "Os
advogados não perceberam o perigo rondando o seu caso", comenta
McElhaney. No final das contas, ela impressionou mais os jurados do que o
cliente dos dois advogados.
Para agravar a situação, os
advogados acreditaram que o caso estava ganho e se descuidaram, até
certo ponto, do objetivo fundamental do processo: obter uma polpuda
indenização por violação de patente. Mais por falta de prática em
Tribunal do Júri do que outra coisa, não demonstraram cabalmente o
tamanho do dano que a violação da patente causou a seu cliente. Melhor
para o outro advogado, que fez o dever de casa, apesar dos ventos
desfavoráveis. O ardil que ele preparou foi "maligno".
"A
capacidade das pessoas se autopersuadirem de que estão certas em uma
disputa, mesmo que irracionalmente, é uma das principais justificativas
para a existência de advogados", diz McElhaney. Do contrário, uma das
partes reconheceria o erro e proporia um acordo, sem necessidade de
recorrer à Justiça. Advogados não podem fazer a mesma coisa: se
persuadir de que seu cliente está com a razão e que isso é o bastante
para ganhar o caso na Justiça. Se fizer isso, é melhor contratar um
outro advogado para atuar no caso. "A autopersuasão é uma grande
fraqueza do ser humano, à qual todos nós nos rendemos", diz o
professor.
QUESTÃO DE CREDIBILIDADE
A empolgação com o caso também pode afetar a credibilidade do advogado,
segundo McElhaney. Coloque-se no lugar do jurado e imagine um advogado
conhecido por sua atuação política defendendo o presidente de seu
partido em um tribunal. Você diria que ele está tentando lhe mostrar a
verdade? Ou a verdade que lhe convém? Os advogados "apaixonados" por uma
caso se expressam mais como advogados apaixonados, do que como um
profissional colocando os fatos e as provas na mesa para a apreciação
dos jurados — momento em que ele deve se concentrar na persuasão lógica
e persuasão jurídica, reforçadas pela persuasão emocional, mas sem
exageros.
No Tribunal do Júri, a credibilidade tem um peso maior
que muitos outros predicados. A credibilidade do cliente é avaliada pelo
júri e a credibilidade de cada testemunha também. Mas a credibilidade
sob maior escrutínio dos jurados é a do advogado. E a credibilidade do
advogado (e do promotor) começa desde o processo de seleção de
testemunhas. Se o advogado faz uma pergunta, baseada em uma afirmação
que o jurado sabe que é falsa, sua credibilidade já fica comprometida.
O
mesmo acontece na inquirição das testemunhas. Se o advogado faz uma
afirmação, descreve um fato e faz uma pergunta que leva a testemunha a
responder "sim", mesmo que contrariada, sua credibilidade sobe. Se a
resposta for "não", sua credibilidade desce. Até o mau desempenho da
testemunha, que a leva a perder credibilidade perante os jurados, afeta o
trabalho do advogado.
Nas alegações iniciais, os jurados se
concentram na única fonte de informação que têm até o momento: o
advogado. Qualquer exagero do advogado, decorrente de sua empolgação com
o caso, pode colocar o jurado de sobreaviso. Se o jurado rejeitar a
"história" do advogado, rejeita o advogado junto com ela. "Não há
retórica que possa salvar o caso", adverte McElhaney.
O "amor
pelo caso" é destrutivo, diz o professor. Afinal, o amor é cego: ele
afeta a habilidade do advogado de descartar pontos que o juiz e os
jurados terão dificuldades de acreditar.
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