O
Superior Tribunal de Justiça não precisa de mais ministros. Precisa de
organização e de procedimentos que permitam racionalizar o tempo de
trabalho dos 33 juízes que hoje compõem o tribunal. E para trazer
racionalidade para a Corte, basta vontade de mudar velhas práticas. A
opinião é do ministro Luis Felipe Salomão, que completará quatro anos com a toga do tribunal superior em junho, depois de uma longa carreira na magistratura fluminense.
A
vontade de mudança deve de surgir de dentro para fora do tribunal. O
primeiro passo é organizar o processo de distribuição e classificação
dos recursos submetidos a julgamento pelo STJ, que giram na casa dos 300
mil casos por ano. “Hoje, a distribuição é anárquica e o trabalho e
triagem dos recursos, um dos pontos vitais para atacar o volume cada vez
maior de processos, é feita no gabinete dos ministros”, afirmou Salomão.
O ministro mostrou um estudo de 25 páginas que elaborou logo depois de o ministro
Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal, ter enviado ao STJ a
proposta de aumentar de 33 para 66 o número de ministros do tribunal.
Proposta à qual o ministro se opõe radicalmente, ainda que respeitando a
posição de Marco Aurélio, de quem é amigo pessoal de longa data.
“Quanto
mais se aumenta o número de juízes de um tribunal que tem como
incumbência constitucional unificar a jurisprudência sobre o Direito
federal, pior. Corremos o risco de pulverizar a jurisprudência”, opina.
Para ele, o remédio receitado pelo ministro do Supremo poderia matar o
paciente. Salomão rechaça o argumento de que a rejeição ao aumento de
ministros seria uma resistência em dividir poder.
Em seu estudo, o
ministro elenca desde mudanças administrativas e regimentais que podem
ser implantadas imediatamente pelo STJ, até propostas legislativas que
dependem de aprovação do Congresso Nacional, como a criação da arguição
de relevância (nos moldes da repercussão geral do Supremo) e da súmula
impeditiva de recursos. Algumas das propostas estão sendo estudadas.
Outras já foram aprovadas, como o mecanismo de repercussão. O presidente
do STJ, Ari Pargendler, entregou a Proposta de Emenda à Constituição
que cria o filtro ao ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, na
semana passada.
"O segredo para enfrentar os novos desafios do
Poder Judiciário no milênio que se inicia é investir em gestão", costuma
afirmar, em ênfase na expressão gestão. "Para atender aos anseios da
nova sociedade, após o século em que houve a revolução da informação, o
Judiciário tem que se redescobrir, reinventar", entende o ministro.
Salomão
é um dos ministros com o gabinete mais organizado do tribunal. Por
isso, o mais produtivo. Em 2011, o ministro julgou 16.318 recursos. Do
total, 12.817 foram baixados. Na linguagem jurídica, significa que quase
13 mil processos deixaram o tribunal, que foram, de fato, solucionados.
Para atingir essa produtividade, o ministro investiu pesado no setor de
triagem do gabinete, que trabalha em três frentes.
Na primeira,
são analisadas as questões de admissibilidade do recurso. Ou seja, se o
processo é tempestivo, se o preparo está correto e outras questões
formais. A segunda fase da triagem é por assunto, quando a equipe separa
o processo de acordo com o tema e já procura precedentes nos quais o
caso pode se encaixar. Nesta fase, também é verificado se a controvérsia
já foi julgada pelo rito dos recursos repetitivos. Em caso afirmativo, o
caso é decidido monocraticamente.
A terceira frente se encarrega
de identificar os chamados processos de massa: quando dezenas ou
centenas de recursos sobre o mesmo tema começam a chegar aos gabinetes.
Quando se detecta a demanda de massa, o ministro dá prioridade ao seu
julgamento para que se forme um precedente firme sobre o tema e se
decidam os casos com mais rapidez e de forma idêntica. É assim que
enfrenta o que costuma chamar de “avalanche de recursos”. Os casos
restantes, mais intrincados e que envolvem teses jurídicas, vão para a
pauta da 4ª Turma, que ele preside, ou da Seção de Direito Privado, que
compõe.
Luis Felipe Salomão trata dos problemas do STJ e da
Justiça com uma franqueza incomum. Reconhece todas as deficiências e
contradições do sistema e os pontos fracos do Poder Judiciário.
Compartilha, inclusive, da perplexidade de cidadãos diante de algumas
decisões. Mas não perde a fé na toga e faz um diagnóstico que, se bem
observado, pode fazer a Justiça sair do lugar.
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