Conjur
No
Brasil, a excessiva judicialização dos conflitos vem da omissão do
Legislativo. “Os deputados e senadores estão mais interessados em
Comissão Parlamentar de Inquérito”, na avaliação da processualista Ada
Pellegrini Grinover. Em entrevista à revista Consultor Jurídico,
a professora da Faculdade de Direito da USP nascida na Itália não só
relembrou a infância como comparou o Judiciário brasileiro ao de países
europeus. Segundo ela, a Administração Pública na França, por exemplo,
mesmo sem ter a palavra final, resolve as questões de sua competência,
satisfatoriamente. No Brasil, “a Administração se omite, o Legislativo
não decide e tudo vai parar no Judiciário”.
O cidadão é obrigado a
procurar a Justiça, segundo Ada, pela omissão legislativa e pelos
vários projetos de lei que esperam vez no Congresso Nacional — isso
deixa "temas polêmicos no Brasil", como união homoafetiva e os limites
do controle de políticas públicas, nas mãos de juízes, desembargadores e
ministros.
Autora do livro Teoria Geral do Processo,
referência nos cursos de Direito, Ada criticou o projeto do novo Código
Civil que, para ela, se resume ao aperfeiçoamento do Código de 1973.
Poucas questões estão classificadas por ela no grupo de melhorias, a
maioria, como a Ação Declaratória Incidental, a Reconvenção, e os
Embargos Infringentes, são questões que “ainda não estão boas”. Para
ela, se o Código permanecer do jeito que está, “é melhor que não saia”.
Durante
a entrevista, foi possível conhecer um pouco da vida da processualista:
as fotos de família estão em porta-retratos espalhados pelos móveis e
os livros, alinhados na prateleira, ocupam uma grande parede da sala de
sua casa. Uma estátua japonesa separa o cômodo em dois ambientes. Na
mesa de centro, duas garruchas, um revólver e adagas — lembranças que
trouxe da Itália.
Após duas horas de conversa e seis cigarros, Ada
se despediu e voltou para os livros, alunos, e aulas. “Eu nunca
trabalhei tanto como depois que fui aposentada compulsoriamente. Aliás,
ninguém deveria ser aposentado compulsoriamente aos 70 anos.”
Leia a entrevista com Ada Pelegrini.
ConJur — Como a senhora vê o novo projeto do Código de Processo Civil?
Ada Pellegrini — Não se trata de um novo
Código de Processo Civil, é, na verdade, um aperfeiçoamento do Código de
1973 com algumas modificações. É claro que um Código novo é mais
homogêneo, tem mais harmonia interna, mas eu costumo dizer que nós ainda
estamos reformando o Código de 1973, que, por sua vez, tinha reformado o
Código de 1939. Então, nada de novo ao sol do Brasil. Se esse Código
sair do jeito que está no substitutivo da Câmara dos Deputados, é melhor
que não saia.
ConJur — Por quê?
Ada Pellegrini — Ainda tem muitos defeitos,
muitos erros. Mas a situação política é que está muito confusa na
Câmara. O Sérgio Barradas, relator da comissão, que está revendo o
projeto de lei na Câmara, é suplente de deputado. Ele já teve de sair do
cargo uma vez porque o titular reassumiu a função. Nessa época, ele foi
substituído pelo Paulo Teixeira, os dois do PT. O Paulo Teixeira deu
uma abertura maior do que o Barradas. Ele ouviu mais especialistas, fez
mais audiências públicas. Agora, o Barradas reassumiu, e ele está ligado
a um professor de Processo Civil da Bahia, muito bem qualificado, mas
que, infelizmente, não consegue trabalhar em equipe. Então, na verdade, o
primeiro trabalho que traz o nome do Barradas é um projeto feito por
uma só pessoa.
ConJur — O que foi feito em relação a isso?
Ada Pellegrini — Houve uma gritaria muito
grande dos especialistas. Nós fizemos uma reunião, convocada pelo
Barradas e pelo vice relator Paulo Teixeira, em Brasília, e conseguimos
corrigir alguns defeitos que tínhamos apontado. Mas não corrigimos tudo.
Em parte porque não deu tempo, em parte por causa desse professor fez a
redação final — muito personalista. Agora, o relatório final do
Barradas foi apresentado, mas não está bom.
ConJur — Quais são os pontos que não estão bons?
Ada Pellegrini — Na Câmara, o projeto retomou
muito mais coisas do Código de 1973 do que no Senado. Então, diversos
institutos que o Senado havia suprimido voltaram. Como exemplo podemos
citar a Ação Declaratória Incidental, a Reconvenção, os Embargos
Infringentes. Além disso, a Ação Monitória foi reintroduzida, sendo que
ela ainda precisa ser melhorada. Ainda há um problema com os honorários
advocatícios, causados, em parte pela Fazenda Pública, que desfavorece
muito o trabalho do advogado. São várias coisas que ainda queremos
melhorar.
ConJur — O que foi melhorado?
Ada Pellegrini — A conciliação e a mediação
judiciais. Conseguimos reintroduzir a estabilização da Tutela Antecipada
— mas se mantém uma terminologia totalmente diferente da tradicional,
introduzida, primeiro, pela doutrina, e, depois, pelo Código de 1973.
ConJur — Pode haver alguma mudança nesse relatório final?
Ada Pellegrini — Eu não sei o que vai
acontecer, porque parece que, de novo, o Barradas vai sair da relatoria.
Não sei quando e nem o motivo. Mas está em uma situação de
precariedade. E, certamente, não vai dar tempo do relatório final do
Barradas, que ainda tem tantos equívocos, ser submetido ao Plenário
antes dele sair. Se ele sair, e o Paulo Teixeira reassumir a relatoria,
nós teremos um pouco mais de tempo e de espaço para trabalhar. Não
acredito que haja uma tramitação que permita a aprovação do substitutivo
da Câmara antes da saída do Barradas. Então, retomaria o Paulo
Teixeira, e os juristas, penalistas e processualistas estão em contato
com ele. Mas, se o projeto for aprovado do jeito que está, vai voltar
para o Senado, que, provavelmente, vai retomar muitos pontos que já
haviam decidido. Ainda temos um longo caminho pela frente.
ConJur
— A centralização de ações semelhantes em um juiz monocrático é uma
solução pontada para resolver o maior número de processos, mas funciona
para as ações repetitivas?
Ada Pellegrini — Conseguimos introduzir essa
questão nesse substitutivo do Barradas, em uma tentativa de
coletivização do processo. O projeto prevê o incidente para julgar uma
causa só e aplicar o julgamento as outras, mas nós queríamos a
possibilidade de transformação de ações individuais em uma ação
coletiva. Então, nós introduzimos dois dispositivos no novo texto:
quando há repetição de diversas ações individuais com o mesmo objeto, o
juiz notifica aquele que pode ajuizar uma Ação Civil Pública. Se ele
quiser, a Ação Civil Pública vai absorver as ações individuais. E mais,
quando se tratar de uma ação individual, que na verdade tem efeitos
coletivos, como, por exemplo, nos casos de telefonia, o juiz transforma a
ação individual em processo coletivo — já que ele vai ter que atingir
da mesma maneira a todos que se encontram na mesma situação jurídica.
ConJur — O novo Código pode ter mais um livro para tratar sobre os processos coletivos?
Ada Pellegrini — Ainda há pessoas,
principalmente no Poder Judiciário, no Superior Tribunal de Justiça, que
gostariam que o Código tivesse mais um livro dedicado aos processos
coletivos. Então, [o jurista] Athos Gusmão Carneiro, junto com o
deputado Miro Teixeira, deve apresentar um substitutivo ao relatório do
Barradas que vai tratar de processos coletivos em um livro separado. Na
última reunião que tivemos, prevaleceu a ideia de não tratar todo o
processo coletivo no Código de Processo Civil, mas só das técnicas de
coletivização das demandas individuais.
ConJur — A quem caberia transformar a ação individual em ação coletiva?
Ada Pellegrini — Ao juiz, tanto em primeiro quanto em segundo grau. Atualmente, eles não podem fazer isso porque muda a causa de pedir, muda o pedido e deve haver uma regra expressa.
Ada Pellegrini — Ao juiz, tanto em primeiro quanto em segundo grau. Atualmente, eles não podem fazer isso porque muda a causa de pedir, muda o pedido e deve haver uma regra expressa.
ConJur — A mediação deveria ser obrigatória?
Ada Pellegrini — A tentativa de mediação e a
audiência de conciliação devem ser obrigatórias. Assim, a parte tem,
pelo menos, a oportunidade de conhecer essas novas técnicas, e pode
escolher uma delas. Conseguimos, nessa ultima reunião, que ainda que uma
das partes diga que não está interessada na audiência de conciliação, a
audiência acontecerá. Mas se as duas partes disserem que não estão
interessadas na audiência de conciliação, começa o prazo para defesa.
ConJur — Quem deveria mediar?
Ada Pellegrini — O mediador. Nós temos a
resolução 125 do Conselho Nacional de Justiça que instituiu e
regulamentou a mediação e a conciliação judiciárias. Elas devem ser
mediadas por terceiros facilitadores com capacitação mínima para
exercerem a sua função. Não deve ser o juiz, como constava no primeiro
projeto do Senado.
ConJur — Alguns juízes apontam como um fator de insegurança jurídica a qualidade das leis no Brasil. Esse quadro ainda vigora?
Ada Pellegrini — No direito material, sem dúvida.
ConJur — E como a senhora vê o projeto de elaboração de leis aqui do Brasil?
Ada Pellegrini — Seria preferível o que se faz
na Itália e na França: uma lei quadro sai do executivo — de
especialistas — e fixa as diretrizes principiológicas ou até, em
determinadas matérias, mais específicas, que o Congresso tem que levar
em conta para legislar. É a lei quadro ou a lei de delegação em que os
especialistas do executivo, nem sempre são ótimos, mas pelo menos são
considerados especialistas da matéria.
ConJur — A elaboração desses anteprojetos deveriam vir do Ministério da Justiça, por exemplo?
Ada Pellegrini — Se for implantado esse
processo legislativo, a ideia é que o Ministério da Justiça crie
comissões especialistas, e depois o Congresso apenas detalha e
especifica. Esse seria o sistema ideal, mas não é o nosso. Qualquer
deputado e qualquer senador têm iniciativa para fazer uma proposta de
projeto de lei. E com esse cipoal de leis que aparece, uma contradizendo
a outra, uma revogando a outra, não dá para saber qual está em vigor.
Com a Internet ficou um pouco mais simples.
ConJur — A Constituição Brasileira completa 24 anos neste mês de outubro. Por que ela não está totalmente em vigor até hoje?
Ada Pellegrini — Ela é muito detalhada. Uma
Constituição não pode falar da amamentação, por exemplo. Nós temos uma
Constituição tão rica em direitos fundamentais e prestacionais que acaba
causando, na prática, um problema. Basta ver a greve no funcionalismo
público, pela qual o Supremo Tribunal Federal teve, em um Mandado de
Injunção, que diz como tratar o assunto enquanto não vem a lei. E mesmo
depois desse julgamento a lei ainda não veio. Por outro lado, o
legislativo brasileiro está muito mais interessado atualmente em
comissões parlamentares de inquérito do que legislar. Atribuição
parlamentar dá mais holofote e visibilidade, e é isso que os nossos
deputados e senadores querem. Em terceiro lugar, há, sem dúvida, uma
omissão legislativa muito grande. Nos temas polêmicos do Brasil, embora
haja diversos projetos de lei no Congresso tentando resolver os
assuntos, o Legislativo não legisla união homoafetiva nem limites do
controle de política pública. O Judiciário ocupa o lugar que seria do
Legislativo, e o STF tem decidido questões que o Legislativo deixou de
decidir. E isso acarreta na excessiva judicialização dos conflitos. Tudo
vai parar no Poder Judiciário, porque o Legislativo não resolve ou
porque a Administração Pública se omite. Em outros países, como na
França, tudo relativo a pedidos da área da saúde, por exemplo, é
decidido administrativamente.
ConJur — Na França, são
quatro instâncias administrativas antes de chegar no Judiciário. Seria
possível seguir um modelo desse no Brasil?
Ada Pellegrini — Claro. Mas alguém tem que criar...
ConJur — Na Argentina aprovaram uma lei recente...
Ada Pellegrini — Mas é preciso criar órgãos
que, efetivamente, se interessem pela atuação positiva, que resolvam
rapidamente o problema, sem necessidade de ir ao Judiciário. No Brasil, a
Administração não se organiza. As agências reguladoras, por exemplo,
não fazem o seu papel em beneficio do consumidor. E ele vai ao
Judiciário.
ConJur — A Administração não tem a palavra final, não é?
Ada Pellegrini — A Administração na França e
na Argentina também não tem a palavra final, mas, pelo menos, resolve a
questão. E quando a questão é resolvida satisfatoriamente e com Justiça,
não é preciso recorrer ao Judiciário. No Brasil, os nossos órgãos
administrativos, que julgam conflitos entre contribuinte e o fisco, têm
uma atuação tão pífia, tão ligada ao executivo, que é necessário ir ao
Judiciário para rever a decisão. Não adianta pensar em eliminar
sobrecarga dos tribunais, porque é isso que acarreta o excesso de
trabalho que os tribunais. Todo mundo é obrigado a ir ao Judiciário,
porque a administração não resolve.
ConJur — A inclusão
social e a judicialização dos conflitos está transformando as questões
ligadas ao Direito em um assunto quase que popular. O caráter
contramajoritário, necessário para ter uma decisão serena, vem sendo
exercido pelo Judiciário?
Ada Pellegrini — Sim. Mas por quanto tempo?
Com que efetivo conhecimento dos fatos? O Judiciário tem assumido esse
papel. Mas o juiz se encontra diante dos casos sem nenhuma assessoria
especifica. Então, ele exerce uma Justiça, que eu chamo de Justiça de
misericórdia, para salvar uma vida, talvez, sem nenhum conhecimento mais
profundo dos fatos. Não é possível tolher do indivíduo o exercício de
seu direito subjetivo individual de pedir remédio, internação
hospitalar, ou cirurgia no exterior, e o juiz se encontra diante desses
casos sem nenhuma assessoria especifica. Essa decisão dando a uma pessoa
aquilo que outra pessoa, nas mesmas condições, não tem, porque não foi
ao Judiciário pedir, quebra a igualdade, quebra a universalidade, que é
um preceito da política de saúde pública. O juiz se sente completamente
perdido. Ele atua. Mas será que está atuando equilibradamente, com
Justiça? Será que ele está sabendo qual é o reflexo que a sua decisão
vai ter sobre os recursos destinados à saúde para todos? Essa
judicialização leva a um estrutura institucional que deve, pelo menos,
se preocupar em fornecer ao juiz todos os elementos necessários para que
ele possa julgar com justiça, e tentando ao máximo, preservar a
igualdade.
ConJur — O juiz precisa de apoio para lidar com políticas públicas?
Ada Pellegrini — Por isso fizemos esse
anteprojeto de lei que está sendo discutido para o novo processo de
cognição mais profunda e de contraditório mais amplo, para que um juiz
possa efetivamente intervir em políticas públicas, ou ações individuais
que tenham reflexos em políticas públicas, de maneira prudente,
ponderada, justa e dando decisões exequíveis. O juiz tem que ser
informado, assessorado, consciente do que está fazendo, porque está
mexendo em uma política pública que tem que ser universal e igualitária
por definição.
ConJur — Como a senhora vê o fenômeno do ministro do Supremo Tribunal Federal Joaquim Barbosa ser eleito pela mídia, pela população em geral, como um herói nacional?
Ada Pellegrini — A mídia pré-julgou.
ConJur — No caso do mensalão?
Ada Pellegrini — A mídia sempre pré-julga. E
no caso do mensalão, pré-julgou. A pessoa que corresponde às
expectativas da mídia passa a ser o herói nacional e quem não
corresponde passa a ser o vilão. Esse é um problema muito sério, que se
vê, sobretudo, em casos criminais. O mensalão é um caso criminal, de
pressão da mídia que forma a opinião pública. Não é a pressão da opinião
pública, porque a opinião pública é manejada pela mídia. Eu não estou
querendo defender a posição do relator ou do revisor, porque eu não
conheço o processo. Mas nos casos criminais do Brasil, o que é proibido
em outros países, a mídia condena sem processo e dificilmente absolve.
As interceptações telefônicas, por exemplo, devem correr em segredo de
Justiça, mas sai tudo no jornal! Isso é crime. Mas quem é que forneceu a
informação? Quem tem interesse em fornecer a informação? Ninguém nunca
foi atrás.
ConJur — Nesses casos a imprensa deveria ser responsabilizada pelo vazamento?
Ada Pellegrini — Sim. Mas por enquanto não é. A mídia pode, inclusive, esconder a fonte.
ConJur — O sigilo de fonte é garantido pela Constituição...
Ada Pellegrini — Mas sigilo da fonte em um
crime, que é violar a interceptação telefônica? Isso é crime. A imprensa
deveria se auto-censurar. Quem tem interesse de vazar a informação? A
defesa certamente não. O interesse é de um órgão público. Ou é a
Polícia, ou é o Ministério Público, ou o técnico. Não é um país sério. A
conduta é criminalizada, a imprensa não se preocupa com isso, porque
não tem nem previsão de criminalização. Ninguém vai atrás de quem fez.
Isso me incomoda muito. A interceptação é publicada, com perguntas e
respostas que precisam ser interpretadas, e logo o sujeito é condenado e
preso.
ConJur — Há uma discussão sobre o uso de provas
indiciárias, principalmente com o mensalão. As provas indiciárias estão
sendo bem usadas no Brasil? Essa decisão do Supremo no mensalão pode
modificar o entendimento que se tinha até então?
Ada Pellegrini — A prova indiciária nada mais é
do que uma técnica pela qual e possível provar um fato — não por meio
de uma prova indireta, mas por uma ilação. Há uma série de regras que
devem ser observadas para que o indício seja considerado apto
efetivamente a provar o fato. É uma questão técnica. Sem conhecer o
processo do mensalão não posso dizer se a técnica do aproveitamento da
prova indiciária está sendo bem utilizada.
ConJur — Mas a prova indiciária é valida?
Ada Pellegrini — Claro. Quanto mais próximo
for o fato a ser provado do fato que é o indicio, mais sólida é a
conclusão a que se pode chegar. Mas normalmente, deve haver vários
indícios, todos convergindo para a mesma persuasão lógica. Se a causa e
efeito forem bem construídos, você pode usar prova indiciária.
ConJur — O Supremo restringiu o uso de Habeas Corpus substitutivo do Recurso Ordinário. A senhora concorda?
Ada Pellegrini — Está certo. O Habeas Corpus
está sendo utilizado para tudo. É impressionante o que a Defensoria
Pública, em todo Brasil, em vez de recorrer, entra com Habeas Corpus. O
Habeas Corpus é um remédio Constitucional destinado a preservar a
liberdade ainda que indiretamente. Quando o processo penal, por exemplo,
não tem a aparência do direito então pode entrar com Habeas Corpus.
Entrar com Habeas Corpus no lugar de recurso é uma aberração.
ConJur — O papel da jurisprudência está sendo reforçado nesse novo Código de Processo Civil?
Ada Pellegrini — Esse novo Código não traz
praticamente nada de novo em relação a jurisprudência. Mas vem sendo
reforçada por técnicas, como a súmula vinculante, a súmula impeditiva de
recursos, o caso piloto. O papel da jurisprudência no Brasil não
assumiu ainda a posição igual nos países de Commom Law, mas hoje podemos dizer que, também no Brasil, a jurisprudência não é só interpretação, mas também fonte do Direito.
ConJur — Temos um sistema misto de Commom Law e Civil Law?
Ada Pellegrini — Cada vez mais a Commom Law se aproxima. Até hoje, cabe-se perguntar se vale a pena distinguir como radicalmente diferentes o sistema de Commom Law e de Civil Law.
ConJur — Isso é bom?
Ada Pellegrini — Sim. Eu acredito muito na
vitalização do Direito por intermédio da jurisprudência. Mas temos que
ter na jurisprudência uma segurança jurídica que não ainda temos.
ConJur — O que falta?
Ada Pellegrini — Coerência nos tribunais para
que não haja decisões contraditórias do mesmo tribunal durante anos,
principalmente dos tribunais superiores. O STF não pode mudar, de
repente, toda a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como
aconteceu com o Cofins. Isso dá uma grande insegurança jurídica. A
jurisprudência também necessita ser mais coerente internamente, a
técnica da uniformização da jurisprudência é pouco usada.
ConJur — A súmula vinculante vem sendo bem aplicada no Brasil?
Ada Pellegrini — Não. Invoca-se a súmula
vinculante para casos completamente diferentes, sem seguir o caminho
lógico, razoável, que levou à elaboração daquela súmula, e a que fatos
aquela súmula pode aplicar-se e a que fatos não deve aplicar-se.
ConJur
— Como a senhora vê a composição do Supremo, a aposentadoria
compulsória e o fato de ter uma troca tão grande de ministros em um
curto espaço de tempo?
Ada Pellegrini — Eu não gosto do sistema de
escolha brasileiro de ministros do Supremo, porque é indicação do
presidente da República. Já viu algum candidato ser reprovado na
sabatina do Senado?
ConJur — Há candidatos que estão entrando sem notável saber jurídico?
Ada Pellegrini — Com certeza.
ConJur — E a que a senhora atribui isso?
Ada Pellegrini — O apadrinhamento do Executivo
e fechar de olhos do Legislativo. O Senado não vai a fundo, não examina
essa questão, não sei se ministro do Supremo deveria ser aposentado
compulsoriamente aos 70 anos. Eu nunca trabalhei tanto como depois que
fui aposentada compulsoriamente. Aliás, ninguém deveria ser aposentado
compulsoriamente aos 70 anos. Teria que fazer uma prova de aptidão,
física e mental. A aposentadoria se faz mais para renovar os tribunais,
do que por uma presunção relativa de incapacidade.
ConJur — Os ministros deveriam passar por uma sabatina pública?
Ada Pellegrini — Poderia ser como acontece nos
tribunais, até no Superior Tribunal de Justiça: primeiro os ministros
são indicados — não pela Ordem dos Advogados e nem pelo Ministério
Público, porque aí vamos ter o que está acontecendo nas indicações, nas
listas sêxtuplas desses órgãos, que é um absurdo. Representantes da
sociedade científica organizada poderiam, pelo menos, fazer a primeira
indicação para o presidente da República. Deixar mais participativa a
nossa sociedade organizada.
ConJur — Isso, de certa forma,
não gera efeito por meio dos contatos que a própria sociedade
científica tem no Legislativo e no Executivo? Ou teria que ser um
processo formal?
Ada Pellegrini — Não. O presidente da
República escolhe quem quer, quem mais interessa e pode ser favorável ao
governo. Ele não vai atrás da sociedade científica. Pior é que é o
governo, não é o Estado.
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