No
último dia 5 de março, ao deixar uma sessão no CNJ, o ministro Joaquim
Barbosa, que preside aquele órgão e o Supremo Tribunal Federal, foi
abordado por um repórter do jornal O Estado de S. Paulo que lhe perguntou: “Presidente, como o senhor está vendo...”.
A indagação, que não chegou ao final, desejava saber a opinião do Presidente sobre a nota
das três principais associações de magistrados (AMB, Ajufe e Anamatra),
criticando entrevista de Joaquim Barbosa, que atribuiu aos juízes
brasileiros terem mentalidade “mais conservadora, pró status quo, pela impunidade”.
Ao ser inquirido, o presidente do STF, segundo a imprensa,
teria respondido não estar vendo nada e, diante da insistência do
jornalista, teria afirmado: “Me deixa em paz, rapaz. Vá chafurdar no
lixo como você faz sempre” , além de tê-lo chamado de palhaço.
Pouco
depois, por meio da assessoria, o chefe do Poder Judiciário teria
pedido desculpas, justificando sua conduta por estar cansado e com dores
nas costas. Como é do conhecimento geral, Joaquim Barbosa tem sérios
problemas de coluna.
Quem conhece as sessões do CNJ sabe que elas
são extremamente cansativas. Discutem-se horas seguidas os temas mais
complexos da magistratura. Muitas vezes, intrincados processos
administrativos, com centenas de arquivos. Sim, arquivos eletrônicos,
chamados de eventos, pois os processos não são de papel.
Portanto,
é normal que o presidente, ao fim do dia, estivesse exausto, ainda mais
com dores no corpo. Mas daí a aceitar tal fato como justificativa para a
frase dirigida ao jornalista, vai uma distância considerável.
Chafurda é chiqueiro, lamaçal. Chafurdar é revolver-se na chafurda (Dicionário Folha/Aurélio,
p.143). Portanto, ao repórter atribuiu-se entrar e revolver-se em um
chiqueiro, agir como um porco à moda antiga, já que agora eles são
criados com todos os requisitos de higiene.
Seria esta a linguagem adequada ao magistrado supremo?
O
ministro Joaquim Barbosa, por força de sua atuação como relator no
“caso Mensalão”, atraiu a atenção de toda a população brasileira. É, sem
dúvida, o magistrado mais popular do Brasil. Identificado nos locais
onde transita, tem o apoio e a admiração da sociedade brasileira.
Na
referida Ação Penal, que é a mais famosa do Brasil, não se limitou a
ser um juiz severo. Foi além. Lutou por seus pontos de vista, saiu da
posição cômoda dos argumentos técnicos para entrar em discussões sobre a
realidade social, penas, prisões e outros temas. Foi vencedor na
maioria das teses e a população passou a vê-lo como uma pessoa
idealista, lutadora, incorruptível.
É bom ser visto desta forma.
Com certeza, o ministro sente orgulho de suas posições. A questão é
saber se isto lhe dá uma capa de proteção absoluta, uma blindagem,
permitindo-lhe que diga ou faça o que lhe vem à mente.
Dos
magistrados, exigem-se todas as virtudes. Entre elas, segundo E. Moura
Bittencourt, “a brandura de trato de par com a energia de atitudes” (O Juiz,
Eud, p. 30). Sidnei Beneti lembra que “O juiz não pode gritar com
ninguém” e que “... se o juiz perder a calma, ninguém mais a
controlará”(Da conduta do juiz, Saraiva, p. 28).
O Código
de Ética do CNJ dispõe no artigo 22 que: “O magistrado tem o dever de
cortesia para com os colegas, os membros do Ministério Público, os
advogados, os servidores, as partes, as testemunhas e todos quantos se
relacionem com a administração da Justiça.” Portanto, jornalistas, nas
suas atividades ligadas ao Judiciário, têm o direito de serem tratados
com cortesia.
É verdade que os ministros do STF não estão sujeitos
à ação do CNJ nem ao seu Código de Ética. Mas, por óbvio, suas regras
auxiliam no estabelecimento de limites, de marcos, separando fronteiras
entre o aceitado e o proibido.
Mas será fácil o relacionamento juiz/mídia? Não, por certo.
O professor Hernán F.L. Blanco, da Universidade de Bogotá, Colômbia, registra que “Es notória la presión frente a determinados casos judiciales ejercida pela prensa, radio y televisión” (El juez y La magistratura,
Rubinzal-Culzoni, p. 207). Portanto, lá como cá existe uma zona de
tensão entre a mídia e o Judiciário, que se pautam por regras de conduta
divergentes (rapidez versus prudência).
Por tal motivo,
os tribunais atualmente, ao aprovarem novos juízes, promovem cursos de
preparação ao exercício da magistratura, neles introduzindo aulas de
relações com a mídia.
Quando um juiz supremo (leia-se do STF)
envolve-se em situações como a analisada neste artigo, entra em uma zona
de risco adversa. Primeiro, seu elevado cargo não recomenda que se
atrite com terceiros. Mas, se isto ocorrer, sujeita-se a sofrer ações
judiciais que vão tirar-lhe a paz de espírito por longo tempo. Afinal,
vivemos em uma democracia plena.
Na frase “chafurdar no lixo” está
uma depreciação da pessoa do jornalista, qual seja, atribuir-lhe a
condição de porco, que no mundo animal não é das mais admiradas. Aí pode
sobrevir queixa-crime perante o STF por crime de injúria, previsto no
artigo 140 do Código Penal, punido de um a seis meses, ou multa.
Do
ponto de vista civil, uma ofensa pública pode ensejar ação de
indenização por danos morais, com base no artigo 5º, V, da Constituição e
artigo 186 do Código Civil. E esta ação, se tiver valor até 40
salários-mínimos (R$ 27.120,00), pode ser proposta no Juizado Especial
do domicílio da vítima, na forma do artigo 4º, inciso III da Lei
9.099/85, obrigando o agente político a nele comparecer e defender-se.
Tais
riscos, em nada agradáveis, não só recomendam como impõem cautela aos
agentes políticos nas suas manifestações. No caso concreto, o oportuno
pedido de desculpas tornou remota estas possibilidades.
Evidentemente,
não se nega aos detentores dos cargos de cúpula o direito de
sentirem-se cansados, exauridos. Porém, nega-se-lhes, sim, o direito de
tratar aos que os procuram com desatenção, ironia ou agressividade. E
eventuais problemas pessoais que estejam vivendo, por mais graves que
sejam, não lhes dão justificativa para a quebra da regra de cortesia.
Dos
ministros do STF a população espera imparcialidade, serenidade, vida
exemplar, pois suas ações no mundo digital em que vivemos são
acompanhadas pela população e geram reflexos na conduta do toda a
magistratura nacional, atualmente com mais de 16 mil juízes.
Sintetizando,
sempre é oportuno lembrar o exemplo da ministra Ellen Northfleet que,
com sua postura sempre elegante e conduta coerente, dignificou a
magistratura suprema.
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