O Supremo Tribunal Federal derrubou, em julgamento na última quinta-feira
(14), a Emenda Constitucional 62/2009, conhecida como Emenda do
Calote, que alterou o regime de pagamento de precatórios — títulos da
dívida pública reconhecidos por decisão judicial definitiva. Estima-se
que cerca de 1 milhão de credores tenham mais de R$ 90 bilhões a receber
de estados e municípios. Na quarta-feira (13), os ministros já haviam
derrubado a correção de precatórios por índice da poupança.
A
norma questionada prevê o pagamento em até 15 anos, leilões para
priorizar o credor disposto a dar mais desconto e a reserva no orçamento
de estados e municípios entre 1% e 2% para quitação das dívidas.
Agora, o Congresso Nacional
precisa encontrar outra saída. Com a derrubada da emenda, voltam a valer
as regras da Constituição de 1988. “Não se trata de escolher entre um e
outro regime perverso, temos que achar outras soluções”, sintetizou a
ministra Rosa Weber. A regra anterior previa o pagamento imediato, mas
era frequentemente descumprida por estados e municípios, que não sofriam
qualquer sanção.
O Supremo começou a analisar o caso em 2011, com
o voto do relator, ministro Carlos Ayres Britto (aposentado). Ele
criticou a má gestão do dinheiro público, lembrando que muitos estados e
municípios gastam mais com publicidade que com o pagamento de
precatórios. Após pedido de vista, o ministro Luiz Fux devolveu o
processo este ano, acompanhando o relator.
“A criatividade dos
governantes tem que funcionar de acordo com a Constituição, sem despejar
nos ombros do cidadão o ônus de um problema que nunca foi seu”, disse
Fux. Ele defendeu formas alternativas de solucionar os débitos, como
pedidos de empréstimos para a União. Seguiram o entendimento de Britto
os ministros Rosa Weber, Cármen Lúcia, Celso de Mello e o presidente da
corte, Joaquim Barbosa.
A divergência foi aberta ainda na semana
passada pelo ministro Gilmar Mendes. Ele entendeu que as novas regras
foram uma “vitória”, pois estados e municípios estavam conseguindo
quitar as dívidas. Para o ministro Teori Zavascki, embora o novo regime
não seja ideal, é um avanço em relação ao anterior, que não colocava
percentuais de reserva no orçamento nem punições para quem não cumpria
os pagamentos. Dias Toffoli também seguiu a divergência.
O
ministro Marco Aurélio concordou com algumas alterações da lei, como a
adoção do prazo de 15 anos para vigência do regime especial. No entanto,
ele discordou que as regras especiais sejam aplicadas a precatórios a
vencer. Posicionou-se contrário também ao método do leilão, que
considerou uma “maldade” com os credores. Para o ministro, a única regra
possível de pagamento é a ordem cronológica. O ministro Ricardo
Lewandowski também disse que o regime especial não deve passar de 15
anos (e apenas com precatórios já devidos), mas não fez qualquer objeção
ao sistema de leilões.
Durante o julgamento, acolhendo uma questão de ordem
apresentada pelo ministro Marco Aurélio, o STF dividiu o julgamento da
emenda duas partes: uma relativa ao artigo 100 da Constituição Federal,
que institui regras gerais sobre precatórios, sendo outra parte do
julgamento destinado ao artigo 97 do Ato das Disposições Constitucionais
Transitórias, o qual institui o regime especial de pagamento.
Quanto
ao artigo 100, os ministros julgaram inconstitucionais em parte os
parágrafos 2º, 9º, 10 e 12, acompanhando o voto do ministro-relator,
Ayres Britto (aposentado). No parágrafo 2º, foi considerada
inconstitucional a expressão “na data de expedição do precatório”, que
restringe o pagamento preferencial àqueles que já têm 60 anos completos
quando da expedição do título judicial.
Seguindo o entendimento
manifestado pelo relator no início do julgamento, isso significaria que
um credor já com 80 anos poderia ficar sem preferência, enquanto outro
com 60 anos recém completos poderia ser contemplado rapidamente. Segundo
o voto do ministro Ricardo Lewandowski, “excluir da preferência o
sexagenário que completa a idade ao longo do processo ofende a isonomia e
também a dignidade da pessoa humana e o princípio da proteção aos
idosos, assegurado constitucionalmente”.
Os parágrafos 9º e 10
também foram declarados inconstitucionais, por maioria de votos, sob a
alegação de ofensa ao princípio da isonomia. Os dispositivos instituem a
regra da compensação, no momento do pagamento dos precatórios, dos
débitos que o credor privado tem com o poder público. A regra foi
considerada inconstitucional porque acrescenta uma prerrogativa ao
Estado de encontro de contas entre créditos e débitos que não é
assegurada ao entre privado.
Quanto ao parágrafo 12, foi
considerada inconstitucional a expressão que estabelece o índice da
caderneta de poupança como taxa de correção monetária dos precatórios,
por ficar entendido que ele não é suficiente para recompor as perdas
inflacionárias. O ministro Marco Aurélio, em seu voto, destacou a
constitucionalidade de outro trecho do parágrafo, que institui a regra
segundo a qual a taxa de remuneração adotada deve ser a mesma para todos
os tipos de precatórios, independentemente da natureza — precatórios
alimentares ou de origem tributária — uma vez que o princípio isonômico
não comportaria um tratamento diferenciado de taxas para cada caso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário