Segundo maior mercado de cirurgias plásticas do mundo, o Brasil hoje
vê muitos problemas com operações deixarem as clínicas e se tornarem
disputas judiciais. Nem todo paciente insatisfeito, porém, é sinal de
negligência ou falta de habilidade médica. A jurisprudência diferencia
as reclamações sobre procedimentos estéticos e cirurgias reparadoras. No
primeiro caso, entende-se que há obrigação de resultado, baseada na
relação entre a expectativa do paciente e o que promete o médico. Para o
segundo tipo, não é garantida a cura, mas é exigido o bom uso do
conhecimento técnico — o que configura uma atividade de meio, ou seja,
aquela em que o médico não se compromete com o resultado. O Código de
Defesa do Consumidor e o Código Civil são usados para resolver esses
casos.
"Mas a doutrina ainda tem divergências. O Conselho Federal de
Medicina, por exemplo, não distingue operações restauradoras e
embelezadoras”, explica o advogado Décio Policastro, autor do livro Erro
médico e suas consequências jurídicas, que terá a quarta edição lançada
neste mês. A Resolução 1.621/2001 do CFM estabelece que na cirurgia
plástica não é possível prometer resultados. As intervenções, ainda que
estéticas, seriam apenas mecanismos para assegurar a saúde física,
psicológica ou social do indivíduo.
O médico pode ser considerado um prestador de serviços, mas a
aplicação do CDC para julgar questionamentos sobre cirurgias plásticas
não é unânime. Para alguns especialistas nessa área do Direito, a
legislação não cabe à atividade médica, de cunho intelectual, porque a
vida e saúde não são bens de consumo. O Código de Ética da categoria
também afasta a relação consumerista da prática da Medicina.
Mas, pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o CDC deve
ser observado nos casos de serviços prestados por profissionais
liberais, inclusive médicos. Entre o paciente e o cirurgião, portanto,
se estabelece uma relação contratual que deve ser honrada. A
responsabilidade do médico, diferentemente do que dizem as leis
consumeristas, continua subjetiva e deve ser provada a culpa do
profissional em caso de erro.
Para Sandra Franco, presidente da Academia Brasileira de Direito
Médico e da Saúde, em ambas as legislações há dificuldades para que os
médicos apresentem provas de que não são responsáveis pelos danos
alegados pelo paciente. "No Código Civil, vigora a responsabilidade
subjetiva pura, baseada na culpa do fornecedor. No CDC, a
responsabilidade pelos vícios é subjetiva com presunção de culpa do
fornecedor, além da inversão do ônus da prova em favor do consumidor”.
Para o médico, ainda existe a dificuldade de excluir a culpa do paciente
— ao não observar o período de repouso ou tomar os medicamentos
incorretamente.
Na opinião da advogada, pela imprecisão da prestação de serviço
médico, considerar a não obtenção de resultado como quebra de contrato é
temerário. A venda de expectativas relacionada à cirurgia plástica
também pode ser usada como prova objetiva. "Os juízes consideram o
marketing e a propaganda médica ao relatar suas sentenças”, afirma.
Outro ponto importante na escolha da legislação incidente é o prazo
prescricional. Para a responsabilização civil pelo Cídigo Civil, o tempo
é de três anos e, pelo CDC, é de cinco anos a partir da ciência do
dano.
Parâmetros de ressarcimento
De acordo com o STJ, é possível acumular danos morais, estéticos e
materiais nos pedidos de ressarcimento contra cirurgiões plásticos,
embora alguns especialistas apontem ofensa ao princípio do bis in idem,
ou criminalização dupla sobre o mesmo fato. Além do médico, a clínica,
hospital e até a operadora de saúde que indicou o profissional podem
responder solidariamente pelos danos.
Dois dos fatores mais importantes para fixar a indenização são a
perícia médica e a informação prévia do reclamante. "Se o médico não
advertiu o paciente sobre os riscos de não obtenção de resultado, mesmo
sem falha no ato cirúrgico, o profissional será condenado”, explica
Paulo Roque Khouri, mestre em Direito Privado pela Universidade de
Lisboa e coordenador da pós-graduação em contratos e responsabilidade
civil do Instituto Braziliense de Direito Público.
A análise técnica, de um profissional da mesma categoria, revelará se
eventuais sequelas — queloides, cicatrizes ou presença de estrias —
decorrem de falha médica ou limitações do organismo do paciente. "O
Código Civil é claro: se existe o erro, é preciso reparar. Só que
existem problemas que não são de responsabilidade do médico”, pondera a
juíza da Quinta Vara Cível da Comarca de Cuiabá, Edleuza Zorgetti
Monteiro, que já analisou queixas sobre cirurgias. O valor da
indenização por danos materiais é mensurado a partir dos gastos com
novos procedimentos cirúrgicos ou tratamentos.
Já para calcular os danos morais e estéticos são considerados fatores
como a extensão das sequelas, a idade e profissão do paciente, além das
condições financeiras do médico. "Os tribunais fixam um valor dentro da
razoabilidade e proporcionalidade dos danos causados. Se a paciente
frustrada é uma atriz que trabalha com a imagem, por exemplo, o prejuízo
será muito maior”, aponta Décio Policastro.
Recomendações às partes
Boa parte dos incidentes envolvendo esses procedimentos poderia ser
evitada se o paciente tomasse a atitude de se informar sobre o currículo
do profissional. De acordo com um levantamento do Conselho Regional de
Medicina de São Paulo, divulgado em 2010, menos de 4% dos profissionais
processados por falhas em cirurgias plásticas entre 2001 e 2008 tinham a
devida especialização. O secretário da Sociedade Brasileira de Cirurgia
Plástica, Dênis Calazans, alerta sobre as clínicas que se preocupam
apenas em ter lucro, com profissionais de baixa especialização ou pouco
tempo de carreira. "São empresas ‘travestidas de clínicas de cirurgia
plástica’, que se apresentam com marketing ofensivo e apelativo”,
aponta. Segundo ele, o Ministério Público já foi acionado para
investigar os casos irregulares.
Do lado dos médicos, para resguardar sua responsabilidade e ter o
consentimento informado do paciente, o profissional deve detalhar, com
antecedência, o procedimento e os riscos em linguagem acessível e sem
tecnicismos, adverte Paulo Roque Khouri, mestre em Direito Privado pela
Universidade de Lisboa. "Se a cirurgia não é recomendável, o médico não
deve se sensibilizar ante os apelos do paciente ou da família. Em caso
de sequela ou até de morte, ele terá que responder pelos danos porque
assumiu o risco”, diz.
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