Por Túlio Vianna,
Professor da Faculdade de Direito da UFMG
A
paralisação dos juízes federais e trabalhistas ocorrida nos dias 7 e 8
deste mês reivindicando aumento salarial é a prova cabal de que alguns
magistrados brasileiros ainda vivem em uma torre de marfim e se recusam a
sair dela.
Reivindicar aumento salarial é uma atitude
compreensível em qualquer categoria profissional, mas levando-se em
conta a situação dos demais servidores públicos brasileiros, a
interrupção das atividades de um dos três poderes da República
mostrou-se precipitada e inoportuna. Causa perplexidade que, em um país
cujo salário médio é de R$ 1.345, um magistrado venha a público afirmar
que a paralisação estaria ocorrendo porque "com
R$ 15 mil líquidos não é possível viver com estabilidade financeira" e,
por causa disso, muitos juízes "estão vivendo com créditos
consignados".
Um magistrado brasileiro, em início de
carreira, ganha hoje cerca de 35 salários mínimos. É, portanto,
considerado integrante do seleto grupo da classe A brasileira. Se isso
não for suficiente para lhe permitir viver muito bem sem recorrer a
empréstimos, seu problema não é de remuneração, mas de mau gerenciamento
de recursos.
Os juízes brasileiros estão entre os mais bem
pagos do mundo. Um juiz federal brasileiro ingressa na carreira ganhando
R$ 21.766,16 - o que, levando-se em conta o 13º, equivale a uma
remuneração anual de cerca de € 109 mil. Comparado aos subsídios dos
colegas europeus, os magistrados brasileiros ganham valores
significativamente superiores. Na França um juiz em início de carreira
ganha por ano € 40.660, e na Alemanha € 41.127 (dados de 2010 do
Relatório de Avaliação dos Sistemas Judiciais Europeus da Comissão
Europeia para a Eficácia da Justiça).
O magistrado brasileiro já
inicia a carreira ganhando cerca de 80% do que ganha um ministro do
Supremo Tribunal Federal, por causa do art. 93, V, da Constituição, que
estabelece uma diferença de no mínimo 5% e no máximo de 10% entre cada
nível da carreira da magistratura. Se no início a pouca diferença
salarial em relação aos ministros do STF pode ser bastante estimulante,
com o passar do tempo o magistrado acaba se frustrando por ter uma
perspectiva de ascensão econômica tão pequena.
Os subsídios de
final de carreira da magistratura nacional, porém, não são nada baixos
se comparados aos de colegas europeus. Hoje um ministro do STF ganha
mensalmente R$ 26.723,13, o que equivale a cerca de € 134 mil por ano,
valor superior, portanto, aos pagos aos juízes da Suprema Corte da
França (€ 113.478) e da Alemanha (€ 73.679).
É bem verdade que
os juízes, para ingressarem na carreira, necessitam ser aprovados em
concorridos concursos públicos. É bom lembrar, porém, que a escolaridade
exigida para ingresso na magistratura é somente a graduação em Direito.
Mesmo assim, o primeiro subsídio de um juiz já é quase o dobro do de um
professor titular de universidade pública em final de carreira. E do
professor se exige no mínimo o mestrado e o doutorado, o que implica
pelo menos seis anos de estudos além da graduação.
Há quem
alegue que os subsídios dos magistrados precisam ser altos para evitar
que eles desistam da carreira e optem por advogar. Em qualquer país do
mundo, porém, os melhores advogados ganham bem mais que juízes. Um
escritório de Advocacia é um investimento de risco que exige um capital
inicial e anos de trabalho para consolidar o nome do profissional no
mercado. A magistratura, por outro lado, é uma carreira bem diferente,
que oferece estabilidade, aposentadoria com proventos integrais e um
rendimento mensal inicial que dificilmente um advogado vai obter nos
primeiros anos de atividade. Cada carreira tem suas vantagens e cada
bacharel vai optar entre elas conforme seu perfil de risco e sua vocação
profissional.
Finalmente, chega-se ao cúmulo de argumentar que
juízes precisam ganhar muito bem para não se corromperem. O que evita
que magistrados se corrompam é ética e, para aqueles que não a tem, uma
corregedoria vigilante. Nenhum subsídio pago pelo Estado pode fazer
frente aos valores oferecidos a título de suborno por organizações
criminosas.
O dinheiro público é escasso e cabe ao governo
decidir onde ele deve ser investido prioritariamente. O Poder Judiciário
hoje paga a seus magistrados as melhores remunerações da República e
presta um serviço cuja notória morosidade indica que o principal
problema desse poder não está nos subsídios baixos, mas no número
insuficiente de juízes. Muito mais razoável do que se conceder 30% de
aumento aos magistrados, tal como eles vêm reivindicando, seria aumentar
o número de juízes em 30% para reduzir a elevada carga de trabalho da
magistratura e garantir uma prestação jurisdicional mais célere para o
cidadão que ganha R$ 622 por mês e não pode se dar ao luxo sequer de
viver de créditos consignados para pagar suas contas.
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